quinta-feira, 10 de maio de 2012

A MEDIDA DA FELICIDADE


Ilustração Marco Joel Santos


Tenho a felicidade ou infelicidade, dependendo do ponto de vista de cada um, de ter uma actividade profissional que requer frequentes viagens até diversos pontos do país, desde a Guarda até Melgaço. É sempre difícil estar longe da família dois ou três dias por semana, passar noites fora, por esses hotéis fora. Mas tem as suas vantagens. Escolher restaurantes, comer bem por aí, conhecer as paisagens extasiantes de Portugal. E conhecer as suas gentes. E esta era a melhor parte, não vai há muito tempo.
Mas a verdade é que isso já não me dá muito prazer actualmente. Particularmente em terras do nosso interior, belíssimo, como a região transmontana ou beirã, conhecer as gentes já não dá o prazer que costumava dar. Onde antes encontrava uma alegria muito própria, encontro hoje uma tristeza latente. Onde havia actividade, há letargia. Onde havia orgulho, encontro vergonha. Há concelhos, por onde passo, que o desemprego atinge já números assustadores, perto dos 30%. Há uma miséria muito envergonhada por esse país fora.
Evidentemente, estas regiões têm, ainda assim, uma vantagem, no meio de tanto infortúnio, relativamente às grandes cidades. Têm a agricultura. Não aquela que faz mexer o país, a actividade económica, a que dá emprego. Essa está mais parada que nunca e muitos não sabem se algum dia voltarão a fazê-la. Falo da agricultura da paralisia do país, a de subsistência. Aquela que provê um pouco de quem dela trata, mas que não traz nada ao país em termos económicos. E é uma vantagem porquê? Porque se este flagelo se abater sobre as grandes cidades, será a catástrofe.
Vem isto a propósito da notícia que dá conta de que o PSD pretende que o Banco de Portugal – essa extraordinária instituição que representou até não há muito tempo o cúmulo da competência e da constância socialista – venha a medir a felicidade dos portugueses, em contraponto a indicadores como o PIB. Seria um FIB – Felicidade Interna Bruta. Não, não é brincadeira. Vem na edição digital do semanário Económico. Aliás, não é sequer passível de brincadeira. Há, de facto, países que medem coisas parecidas com a felicidade dos seus cidadãos, dentro dos limites técnicos que uma questão tão subjectiva proporciona.
Eu compreendo a necessidade destas medições para o PSD. Aliás, provar que a população portuguesa é feliz devia ser um dos objectivos de qualquer governo deste país. O problema é que os escoceses, por exemplo, também sempre pretenderam tirar medidas ao monstro do Loch Ness. Mas a verdade é que nunca conseguiram. Por uma razão muito simples: o monstro não existe. Ora, neste momento, ordenar ao Banco de Portugal para avaliar a felicidade dos portugueses é tarefa hercúlea para não dizer impossível. Medir aquilo que não existe é difícil. Claro que se pode alegar que se pode medir até que ponto não existe, ou simplesmente se existe muito pouco. Sim, provavelmente se fizerem os inquéritos às seis da manhã à porta das casas de meninas do Pinto da Costa, talvez encontrem pessoas felizes. Mas fiquem-se pelos homens, deixem passar as meninas. Ou olhando para a carteira, é melhor entrevistar as meninas e deixar os homens.
Por outro lado, no circo já se conseguem amestrar elefantes. Mas preguiças é outra história. Podem até amestrar-se, mas darem sinais disso é outra história. Logo assim, contactar o Banco de Portugal para fazer uma coisa destas… Será que os senhores lá do sítio sabem fazer isto? Será que querem fazer isto? Será que existem, como o monstro do Loch Ness…? Mas, mesmo na eventualidade remota de o Banco de Portugal querer fazer isto, não há ninguém mais capaz para o fazer? Sei lá, o INE, ou a empresa que mede as sondagens da RTP? Alguém que perceba um pouco do assunto. Podia até ser o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Matraquilhos.
Eu penso cá para mim que há coisas que são mais facilmente mensuráveis por entidades mais credíveis que o Banco de Portugal… podemos eventualmente procurar outros indicadores relativos à felicidade em Portugal. Como, por exemplo, número de famílias cujos filhos trabalham em quintas de outrem por comida. Só comida, tabaco já é 13ºmês. É que existem… Ou então, que tal o número de tractores parados por esse país fora, porque os seus donos acham que não compensa dar produtos às cadeias de distribuição assim só por generosidade, como esmola? Ou ainda o número de transportadores que já fecharam as suas portas por não terem dinheiro para pagar combustíveis?
Bem, eu penso que a melhor hipótese para um indicador engraçado para o Banco de Portugal medir, mas também pode ser o Paco Bandeira, seria o seguinte: Número de portugueses que gostariam de acertar o passo com um barrote aos membros do governo, e que não tendo dinheiro para uma viagem organizada a Paris para acertar o passo com um barrote a membros de outros governos de Portugal, quisessem mesmo assim acertar o passo com um barrote aos membros do governo que estivesse mais a jeito, ou seja, os membros do governo a quem eventualmente já tivessem acertado o passo com um barrote. Não esquecer de informar que acertar o passo ao ocupante de Belém com um barrote não conduz a qualquer tipo de resultado, pois o homem amanhã já não se lembra de nada. O que não quer dizer que se lhe não acertasse o passo com um barrote na mesma. Só para aumentar a felicidade.

16 comentários:

  1. Para quê medir o FIB do País?! Não é preciso pagar para se saber que seria mais baixo o FIB que o PIB... mas umas barrotadas bem acertadas nuns quantos (muitos) olha que eram capaz de contribuir mais para o FIB que as exportações para o PIB...

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  2. Medir o que é menos mensurável pode levar a que haja mais margem para erro do que no caso do PIB. Pode até fazer com que se transmita um falso sentimento de felicidade, parecido com aquele que as vacas dos Açores devem ter sentido quando sorriram para Cavaco! É que elas devem ter sorrido tanto quanto a maioria dos portugueses o faz hoje em dia... Nada!

    E dói saber que são os mais humildes os primeiros a pagar a factura desta insanidade política!

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  3. podem medir a felicidade, mas o melhor é medirem a infelicidade que esta politica está a causar. infelicidade, apatia, desmoralização, os chicagos boys sabem que esta politica leva isso mesmo... mas cuidado que muita frustação junta vai ser complicado gerir com o passar do tempo!

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  4. Não costumo ver notícias, mas até eu sei que a empresa das sondagens televisivas não seria muito fiável...

    Mas estou com a Pronúncia: se medirem depois das marretadas, o FIB não só existirá como com toda a certeza será bem alto.
    A prova disso foram os incidentes no PD no dia 1: a malta está desejosa de acertar o passo a alguém, e se for a quem de direito, melhor!

    Mas agora a sério: que realmente se andou completamente para trás e ter terra voltou a ser uma forma de (fraca) subsistência, lá isso...

    Bom fim de semana com a família Cirrus!

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  5. E objectivo da sondagem é...?

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  6. Pronúncia, não tenho quaisquer dúvidas que a técnica do barrote poderia levantar o astral ao pessoal.

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  7. Malena, nóa já sabíamos, sinceramente, que seriam os mais fracos a sofrer com este governo. Mas muitos deles votaram neste governo. Muitos deles têm aquilo que merecem.

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  8. SDaVeiga, penso que este é o governo dos retrocessos civilizacionais.

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  9. Noya, deve ser o de criar oportunidades, não sei bem...

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  10. Tripalio, camarada, não vejo a hora de a acumulação de frustração transbordar em descontentamento. Os gregos já começaram há muito tempo!

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  11. A nossa felicidade interna bruta deve estar no auge, agora que o desemprego é considerado uma coisa positiva e uma oportunidade. Nem caibo em mim de felicidade!

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  12. Sara, tu foste das felizardas que desfrutou dessa imensa oportunidade...

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  13. Oh Cirrus, quando vier aqui para o Litoral Alentejano, diga qualquer coisa que vamos beber uma imperial...

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  14. Salvador, terei todo o gosto!!

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  15. Cirrus, não são retrocessos, são é avanços na direcção errada, na direcção da "Idiotacracia plena"!

    http://www.youtube.com/watch?v=pEZrHPo_3I0&feature=share

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  16. SDaVeiga, talvez nós lhe chamemos idiotacracia. Mas que tudo isto tem um propósito bem definido... Cheira-me.

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