quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CULTURA DA CUNHA

Ilustração MJoel Santos
 
Com certeza todos passamos por momentos em que aprendemos algo com alguém mais velho. Na verdade, quase tudo o que aprendemos é com pessoas mais velhas. Mesmo com as mulheres mais novas, porque cedo se tornam mais velhas que nós, homens mais velhos. O que é estranho. Hoje tive um momento desses, e se é verdade que não aceitei o ensinamento, não deixa de ser verdade que me pôs a pensar seriamente sobre um assunto sobre o qual raramente penso: religião.
O hábito de doar órgãos em cera a santos pode parecer mórbido, mas, se pensarmos bem, é perfeitamente normal na nossa sociedade. Os católicos fazem destas coisas com uma regularidade quase assustadora, dada a morbidez do acto. Mas não só. Promessas de ir a pé a santuários, de acender velas durante 40 anos a determinado santo ou até um montante exacto a cair numa caixa de esmolas são actos normais dos católicos e dos portugueses em geral.
Ora, pondo-me a pensar sobre o assunto, constatei alguns factos interessantes. O primeiro e mais premente foi o de ir comer, porque cheguei à conclusão que tais delírios podiam ser fraqueza. Mas não eram, continuei a pensar no assunto e cheguei a uma segunda conclusão, esta sim, de alto valor teosófico. Os hábitos religiosos, mais que quaisquer outros, reflectem a sociedade em que são praticados.
Assim sendo, os católicos fazem tudo aquilo que já indiquei. Nada mais adequado. Portugal, como país católico, é exemplo disso. Não serão os hábitos de pequenas oferendas a santos, como cera ou esmolas, uma tradução exacta da nossa corrupção? Quer dizer, nós conhecemos a administração, Deus e a sua equipa de gestão, com o espírito santo e Cristo. Mas insistimos na pequena corrupção, na chamada cunha. Muito português, muito católico. Nada de incomodar os senhores injinheiros, fala-se com o sobrinho do avô do irmão do patrão e talvez a coisa se arranje.
Vejamos o caso protestante. Os protestantes não veneram santos, nem sequer a virgem. Ou seja, a sua abordagem é directa. Olham olhos nos olhos do presidente e oferecem-lhe o suborno respectivo. Bem, a este nível, deixamos o conceito de cunha para nos aproximarmos do conceito de PPP ou coisa parecida. Grandes negócios.
Já os ortodoxos são bastante mais interessantes. Além das cunhas a funcionários menores, também aliciam de imediato recém partidos para o reino do lá de lá. Mas, ao contrário dos católicos, que são mais ou menos discretos nas operações de corrupção, os ortodoxos até guardam fotos desses momentos, chamados ícones, que geralmente levam para casa para fazer chantagem sobre o santo caso a cunha não funcione como devido. Coisas do NKVD e da máfia russa...
Depois há os islamitas. Bem, se os protestantes só falam com o chefe da coisa, os muçulmanos não fazem por menos. A diferença é que nem o querem ver à frente e nem sequer lhe dirigem a palavra para pedir seja o que for. Repetem incessantemente que o chefe é grande – deve ser alemão ou nórdico – e esperam pacientemente pelo milagre ou pela cunha. Normalmente esperam de joelhos e de rabo para o ar, não por sinal de reverência, mas antes para mostrar o rabo a quem está atrás, para que saibam que estão com o pedido de cunha mais adiantado que o desgraçado que lhe vê as nádegas.
Depois há aqueles que não sabem muito bem quem é o chefe, e nem lhe conhecem o nome sequer. Falo dos judeus, que por muito que se esforcem, nunca entendem muito bem aquilo do chefe não ter nome e depois haver regras para tudo e mais alguma coisa, incluindo para dizer o nome do chefe que desconhecem. Mas o que é certo é que a empresa funciona bem ao nível da cunha, com uma eficiência e proficiência admiráveis. O que me deixa a pensar que provavelmente o facto de não conhecerem o nome do chefe não implica que não saibam o nome uns dos outros.
Os hindus são mestres da cunha. O grande problema é que os patrões são tantos que nem sabem muito bem com quem falar, e assim o efeito perde-se pelo caminho. Correm muitas vezes o risco de meter uma cunha para a cura de um braço ao patrão que cuida da saúde das bexigas. Por essa razão, a sociedade hindu não existe. É apenas um conjunto de indivíduos divididos em castas, organizadas hierarquicamente das mais pobres para as mais miseráveis, mais ou menos abandonados pela estrutura burocrática dos patrões que são mais que as mães.
Finalmente, temos os budistas. Os budistas são os maiores desta coisa da corrupção religiosa. Não só não têm patrão a quem prestar contas, como ainda são eles próprios que recebem as cunhas dos fiéis. E por isso é que estão sempre sentados e a murmurar umas coisas imperceptíveis. Estão a fazer contas de cabeça àquilo que já receberam naquele dia.
Se este texto não vos fez qualquer sentido, não se sintam mal, porque a mim também não fez. Só achei engraçado alguém se lembrar de dar uma perna de cera a um santo. Ainda se fosse de madeira e o santo pirata ou o Mantorras, eu entendia...

10 comentários:

  1. ...Diz-se por aí que Vera Pereira é católica!

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    1. Aliás, a Ana Batista também parece que é...

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  2. Dão-se coisas em cera que nem imaginas... E com belos formatos!!!

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    1. Pois... naturalmente. Cancro da mama, ou dos testículos, são doenças que originam belos formatos. Dependendo do usuário.

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  3. Espera. Há mesmo pessoas que dão órgãos de cera a Santos? Não vá o santo precisar de um transplante ou assim?

    Por falar em cunhas, o governo hoje criou mais um "conselho". Sugiro sunstituir a oferenda de órgãos de cera por órgãos do primeiro-ministro. Isso sim era uma boa acção.

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    1. Sara, porra, pá! E és tu de Ermesinde! Então nunca vais a Sta.Rita???

      Por que órgão começarias tu?

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. A Sara é fofa... Começava pelo nariz! Eu era logo pela pele, o nosso maior órgão! Esfolá-lo!!!


      (Como sempre, tenho que eliminar o primeiro comentário porque tinha gralhas... mas não corvos...)

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  4. Os meus pais casaram-se lá mas, pelo meio, eu devo ter degenerado porque não fiquei cliente dessa Igreja. Sou mais cliente da catedral da luz :P

    Começava pelo nariz. É grande e tem mostrado uma evolução impressionante.

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  5. No campeonato da cunha não há quem bata as autarquias...
    José

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