domingo, 30 de setembro de 2012

O LABORATÓRIO



Ilustração Marco Joel Santos
 Antes das ideias, uma análise a um artigo que saiu no Courrier Internacional de Setembro, e que a todos aconselho vivamente. Até porque contextualiza a discussão futura. Trata-se de um artigo publicado pelo jornal catalão de Barcelona, La Vanguardia. Intitula-se “Laboratório de Resgates”, e versa sobre o período de assistência financeira à Letónia, ex-república soviética, agora integrante da EU, embora não da zona euro. O que exponho de seguida são partes do referido artigo, com comentários meus pelo meio. As partes transcritas serão assinaladas a letra diferenciada.
·         Declarações de Christine Lagarde, presidente do Fundo Monetário Internacional:
“Quem poderia imaginar, em 2009, que estaríamos hoje aqui, a festejar o sucesso da Letónia, depois de um percurso tão difícil? É um tour de force. Vocês indicaram o caminho à zona euro.”
·         Declarações de Sergey Acupov, ex-assessor do governo:
“Somos a experiência em laboratório da desvalorização interna. (…) Querem um exemplo para a Grécia, para Portugal… e Espanha.”
·         Situação (citação do artigo):
“Em troca de créditos no montante de 7,5 mil milhões de euros, o Governo pôs em marcha a mãe de todos os ajustamentos orçamentais, equivalente a 17% da sua economia, em apenas dois anos.”
·         Resultados imediatos do ajustamento (citações do artigo):
o       “O PIB caiu 23% em dois anos”;
o       “Os salários baixaram entre 25 e 30%”;
o       “ (…) O desemprego aumentava de 5 para 20%;
o       “ (…) O subsídio de desemprego foi reduzido para apenas 40 lats (57 euros) por mês”;
o       “Quatro em cada dez famílias ficaram em situação de pobreza, mas a taxa única de imposto sobre o rendimento (25%) foi aplicada a mesmo aos rendimentos mensais de 60 euros.”;
As políticas impostas à Letónia fizeram com que 40% das famílias se tornassem indigentes. O desemprego escalou para os 20% - sem dúvida agora se percebe a obsessão de António Borges com este número de desempregados, que ele considera “o ideal”, ou não tivesse ele sido o responsável pelo programa letão, como director do FMI para a Europa, à data dos acontecimentos – mas entretanto, Lagarde teve esta pérola, que apresentou como excelente notícia: “A Letónia vai ter, este ano, um crescimento de 6%, mais do que qualquer outra economia europeia”. Sem dúvida, uma excelente notícia. Recordo, de qualquer das formas, que a queda do PIB foi de 23% em dois anos, pelo que estes 6% de crescimento, dado o emagrecimento da base de cálculo, se situa nos 4% relativamente há dois anos, o que levaria o ajustamento a ter sucesso ao fim, não destes dois anos, mas apenas daqui a 6 anos. E, não esquecer, estes são cálculos do FMI, estimativas para o final do ano, que sabemos serem extremamente pouco fiáveis quando apresentados em causa própria.
·         “30 % dos jovens opta por emigrar”:
o       “Cerca de 10% da população (230 mil numa população de 2,2 milhões, em 2008) abandonaram o país. E 30% - um em cada três – dos letões com menos de 30 anos partiram, a maioria para nunca mais voltar.”
o       “A população está a envelhecer rapidamente. E, nesta última leva, as pessoas que partem são jovens com estudos” – demógrafo Mihails Hazans;
o       “A isto somam-se os graves problemas demográficos da Letónia, devidos à taxa de fecundidade baixa e à esperança de vida igualmente baixa (um problema agravado por um sistema de saúde em crise orçamental)”;
·         Degradação das condições de alojamento e salubridade:
o       “Antes, a Moscow Worstadt era uma zona industrial da economia soviética. Agora, é um foco de prostituição, droga e atividades ilícitas”;
o       “O centro infantil da Risk Berni dava comida a entre 20 e 30 crianças por dia e distribuía roupa. (…) O estado letão contribuía com 2000 lats mensais. O hotel Radisson fornecia as sobras da cozinha. (…) O governo cortou o subsídio para metade e a Risk Berni fechou no ano passado”;
o       “Com tanta emigração, as mães das crianças foram para o estrangeiro e muitas dessas crianças vivem agora com os irmãos mais velhos ou os avós”;
o       “ (…) Um jovem, de cabeça rapada, entrou num bar: (…) - Acabei de brigar com um tipo. Foi ele que começou – Lá fora, na rua, jovens prostitutas – talvez com 17 ou 18 anos – esperavam”
o       “Muitas das casas boas pertencem agora aos bancos e os antigos moradores vêm para aqui” – Diana Vasilane, moradora de um bairro degradado;
o       “Entramos numa urbanização de barracas de madeira, que se estende até ao rio. Muitas delas têm pedaços de terreno cultivado, que os novos pobres da Letónia combinam com a pesca, para sobreviver. Não têm electricidade, apesar de, no Inverno, as temperaturas serem de 20 graus negativos”;
o       “No período soviético, as pessoas tinham aqui pequenas hortas e uma barraca para guardar ferramentas. Agora as pessoas vivem nestas barracas” – motorista de Riga;
o       “Konstance Bondare, de 80 anos, é uma das moradoras (…) sem luz, nem água (…) diz que veio morar para aqui há um ano e meio, depois de ter sido desalojada por um banco, que tomou posse do seu apartamento em Riga (…) fiadora da sua filha (…) a filha partiu (…) Recebe uma pensão de 180 euros por mês. Vai buscar água ao rio todos os dias – e diz que a bebe (…) diz que paga renda por este casinhoto de 12 metros quadrados (…) – O banco pôs-me na rua e disseram-me que devia envenenar o meu cão. Prefiro envenenar-me a mim mesma. Vejam como vivem os letões no seu próprio país!
o       “Há algumas semanas, uma senhora da idade de Konstance foi assassinada à machadada, num bairro perto daqui. Roubaram-lhe a pensão de 100 euros";

Estamos dispostos a coisas como estas para fazer um ajustamento pretendido apenas por quem não conhece a realidade do nosso país? Porque razão não podemos ter outras alternativas? Porque razão insistem em matar uma boa parte do país, como na Letónia, através da degradação de um SNS que já nem garante tratamentos oncológicos paliativos aos portugueses? E porque insistem que a parte mais habilitada do país emigre? Qual o objectivo desta política?
Cada um retire as conclusões que quiser. Penso que são claras as intenções de quem nos governa. Ainda não é tarde demais.

8 comentários:

  1. Este individuo que dá pelo nome de Borges é doente. Além disso é verdadeiramente um dos chamados criminosos de colarinho branco. Está a mando da Goldman Sachs e do FMI e de todos os que querem destruir o que de mais digno existe no ser humano.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pergunta, Forte: se este indivíduo está a mando dessa gente e é assessor do Governo, o Governo está a mando de quem?

      Eliminar
  2. Crescer depois de de se estar na miséria parece mais fácil!
    Deprimir para depois usar qualquer pequeno agvanço como bandeira também é fácil!
    Grande exemplo, o da Letónia...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E agora que voltei aqui... Como eu consigo "gralhar"" aquilo que escrevo!! Deve ser da raiva!!

      Eliminar
    2. Crescer a partir do zero é fácil. Até Moçambique, aqui há anos, tinha um crescimento meteórico...

      Eliminar
  3. Um busto a quem começar uma guerra civil. É inacreditável que nos mantenhamos assim impávidos.

    Espero que amanhã as medidas supostamente entregues em Bruxelas, e que o génio Gaspar irá denunciar, façam incendiar este pequeno país.

    Já não há palavras. Este texto é surreal...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Cat, garanto-te que não é surreal. É bem real e está no Courrier para quem quiser ler. São apenas duas páginas. Aconselho.

      Eliminar

LEVANTAR VOO AQUI, POR FAVOR