quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

CHEIRA A NOVO, CHEIRA A ESTADO

Ilustração Marco Joel Santos

            Não sou um grande apreciador de artes plásticas, mormente de pintura. Apesar de me identificar mais com determinado mestre do que com outros, não entendo o suficiente do assunto para opinar sobre a obra de artistas vários. A minha praia é mais a música e, apesar de não ser nenhum melómano, sei apreciar um pouco desta arte com alguma propriedade. Talvez, aqui e ali, o saiba fazer com a literatura. Ao que leio, também era melhor… No cinema e teatro posso dar umas opiniões díspares. No âmbito da pintura e escultura, não me atrevo. Só sei do que gosto de ver, e não perco demasiado tempo a vê-lo. O comentário à arte geométrica do futebol deixo eu para o Gabriel Alves, igualmente.
            Por isso, quando me falam dos Mirós, fico preocupado. Não sei bem o que dizer sobre o assunto nem sobre a qualidade da colecção actualmente em poder de uma determinada empresa privada com capital inteiramente estatal com um nome parvo. Aliás, assusta-me a perspectiva de toda a gente saber da grandeza artística de Miró, um velho mestre catalão que se diz ter pintado umas coisas e tal, e eu nem por isso. Ainda mais assustado fico com o “valor de mercado” da sua obra, mas isso sou eu que sou um perigoso esquerdista com tendências marxistas. Também me assusta a expressão “capital de internamento” que ouvi numa publicidade a um seguro de saúde. Até porque não entendo o que é um capital de internamento. Dantes, ficava-se internado no hospital uns tantos dias, mas parece que agora se fica internado um determinado valor. Outras praias.
            Contudo, vou fazer de conta que sou imparcial e tentar analisar a decisão do governo de vender a colecção de Miró que detém (ou que a tal empresa privada mas pública detém). O acervo (não se espantem, aprendi a utilizar esta palavra na disciplina de Pré-História de Portugal) foi tomado dos bens do BPN. O primeiro mistério – que de mistério tem muito pouco – é tentar entender como o BPN deitou a mão a tanta obra de Miró. Ou entendiam do assunto ou andavam a fazer manobra com arte. Logo assim, é provável que a colecção tenha sido adquirida numa qualquer operação com contornos tão nebulosos como a costa do Panamá. Coisa que não é para entender.
            O que eu entendo? Muito bem, entendo a intenção de vender a colecção de “mirós”, como todos se lhe referem, como se fosse uma colecção de cromos saídos numa caixa de chocapitos do Lidl. Até entendo, palavra. O país está a nadar em tudo menos dinheiro e sempre eram 35 milhões a entrar nas contas do Estado. Até entendo o valor de base da licitação, assim algo como um saldo ou liquidação, mas a necessidade é muita e 35 milhões, embora uma gota no oceano dos 130% de dívida externa, fazem algum jeito para pôr guarda-lamas novos nos submarinos ou para pagar meia dúzia de indemnizações aos trabalhadores dos ENVC (por acaso ninguém reparou na similitude de valores…?).
            Até posso entender que os trabalhos de Miró não representam a cultura nem o património cultural ou histórico de Portugal. Miró era catalão, nem a Espanha representa. Até consigo entender que os membros do governo não tenham a sensibilidade artística para poder rentabilizar tão valiosa colecção no futuro, até porque eles podem não ter grande futuro. Eu entendo tudo isto. Mas isso sou eu que sou um perigoso esquerdista com tendências marxistas compreensivo e tolerante. Mas… e os outros? Será que entendem?
            Que sinal estamos a dar aos nossos “parceiros” estrangeiros? Que pequenez é esta em que nos tornamos? Que país, digno desse nome, se desfaz de tão ligeira forma de uma colecção destas? Bem, costuma dizer-se que a direita política não tem capacidade cultural. O que não é sempre muito linear. Churchill, por exemplo, quando instado a vender património a seguir à 2ª Guerra Mundial, para financiar a reconstrução, respondeu: “E para que lutamos nós, então?”. O próprio Hitler, quando punha as unhas num desgraçado país anexado ou relampagueado, tinha como grande a preocupação em saquear as obras de arte. Não é por acaso que os Museus alemães têm obras com origens tão diferentes como o Egipto ou a Grécia. Então que originalidade é esta do governo português?
            A originalidade é a direita portuguesa. Não é a direita inglesa, nem sequer os nazis de topo. É a saloia e salazarenta direita portuguesa. Para esta gente, um Miró é realmente o mesmo que um cromo saído num pacote de chocapitos do Lidl, só que vale mais dinheiro. Admira não terem tentado derreter as telas para fazer lingotes. Isto não é um fútil exercício de afirmação de clichés sobre a direita portuguesa. É uma afirmação da realidade. Chega de dizer que não é bem assim. É mesmo assim, e só assim se compreende que a pseudoarte de uma pseudoartista portuguesa que faz sapatos com tachos e candelabros com tampões possa impressionar Passos Coelho e oitenta obras de Miró sejam para vender e ontem já é tarde. Cheira a novo. Cheira a Estado.
            Eles andem aí. Para o mal e para a ignorância, eles andem aí…


4 comentários:

  1. Até gostava de dizer que a originalidade é a ignorância dos nossos (des)governantes mas a ignorância, neles, não tem nada de original! É tão repetitiva que até enjoa!

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    1. A originalidade a que me refiro não é nesse aspecto, mas mais no âmbito internacional. Até os americanos sabem que a arte tem um valor inestimável. Aqui dá-se valor a quem for do aparelho, é certo, como a tal Joana que faz tampões com candelabros ou o contrário ou o catano...

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  2. essa de gostar dos miros porque a direita os quer vender é um argumento digno de praça da gnr...

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    1. Como tem razão, caro anónimo! Mas pelo menos os praças da GNR identificam-se, não são cobardes sem tomates.

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