terça-feira, 26 de julho de 2011

IGNORÂNCIA VOLUNTÁRIA

Foto Google

Os últimos dias têm sido pródigos em acontecimentos estranhos e inverosímeis. Bem, na verdade, alguns são estranhos e inverosímeis, outros são previsíveis mas mesmo assim estranhos. O facto de o terrorismo ter chegado a um dos países que servem de referência em termos de desenvolvimento humano é estranho e inverosímil. E mais estranho ainda se torna quando o acto se reveste de aspectos pouco usuais. Estamos habituados a atentados terroristas em países longínquos, em circunstâncias particulares, como resultado de extremismos islâmicos, ou então em países mais próximos, mas com alvos perfeitamente definidos, como é o caso em Espanha e na Irlanda, mormente.
Não estamos habituados a terroristas de 1,90m e loiros, extremistas cristãos e de extrema direita. É uma verdade. Desabituamo-nos de ver estas pessoas como violentas, mesmo após o Holocausto, como exemplo longínquo, ou os crimes do Machado, mais perto e mais recentemente. A verdade é que estamos demasiado próximos, em termos de sistema económico (e apenas, por enquanto) das ideias desta gente para os vermos como extremamente violentos.
Considero o atentado de Utoya como o pior de sempre. Enganados estão todos aqueles que, sabendo das minhas inclinações políticas, se sintam eles próprios inclinados a discordar peremptoriamente. Considero-o como o pior por diferentes razões, e depois cada um julgue por si se tenho ou não razão. Não me é indiferente, mas não mudará, provavelmente, as minhas convicções. Mas isto são opiniões e estas são as minhas, e as minhas razões para catalogar este como o pior atentado de sempre:
  • o confesso terrorista comportou-se como um caçador, percorrendo a ilha em busca de presas;
  • o confesso terrorista diz-se consciente do horror das suas acções, e no entanto, estava convicto de que elas não só eram justificadas, como necessárias. Necessárias a quê? Isso é que me mete verdadeiramente medo;
  • o confesso terrorista manteve uma calma absolutamente olímpica, enquanto abatia seres humanos como se de coelhos se tratassem. Colocar uma bomba é uma acto cobarde, por ser piedoso a quem a põe, pois não vê o sofrimento das vítimas. Abater caça humana indefesa é monstruoso. Um bombista suicida não encara a culpa, um caçador de humanos vê a sua culpa espelhada no terror da cara da sua presa;
  • o atentado dá-se num país com excelentes condições de vida. Imaginem-se, pois, os viveiros de terror que por esse mundo fora estamos a criar.
  • Já aconteceu por diversas vezes nos EUA, mas um atentado deste tipo na Europa era até aqui impensável. Um europeu fazer uma coisa destas contra o seu próprio povo é a prova de que o extremismo, seja ele de que cor for, tem um caminho lógico que leva à violência. E ao contrário do laicismo, a religião, que afirma a sua supremacia sobre todas as outras, tem esse caminho lógico perfeitamente definido, até pelo carácter irascível de grandes partes dos seus Livros Sagrados;
Não há palavras para descrever um acto destes, e é provavelmente o mais importante sinal da mudança dos tempos que se avizinha rapidamente. Mais uma vez, sem surpresas, verifico que o povo português decidiu virar a cara a um acontecimento extraordinário, que por mais horrível que seja, devia preocupar-nos de forma decisiva. E falo do povo mais esclarecido, o povo que navega por essa web fora, que procura informação, que sabe, que está minimamente informado. Ter-se dado a preferência à morte de uma pseudo-estrela pop foi um escape perfeito. Virar a cara é sempre mais cómodo. É o Humanismo da ignorância voluntária a funcionar. Em Portugal funciona efectivamente muito bem.

8 comentários:

  1. Sinceramente, acho que sempre houve esses movimentos extremistas, principalmente no Norte da Europa. Esse tipo de Direita tem subido gradualmente a nível partidário. Talvez estivesse adormecido, tal e qual um vírus, até que algo o despoleta e, isso, é precisamente o que tenho mais medo - esta matança pode ter sido o oráculo que faltava aos dementes.
    O que não percebo é porque matou em nome da raça "pura" os próprios semelhantes.

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  2. Dylan, tal como tinha expressado no post, julgo que de facto este acontecimento pode ir muito para além do sofrimento que já causou. Isso assusta-me, mas parece que sou dos poucos a ver a realidade, ou pelo menos, o que me parece ser a realidade... Oxalá esteja enganado.

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  3. Só não posso concordar com o facto de achares que este foi o pior atentado de sempre. Uma acto terrorista é sempre um acto terrorista e sempre dramático, seja lá quem for o autor, são sempre os mesmos a morrer... inocentes.

    Quanto ao facto de não ter sido um atentado de islamitas, mas antes de de um nascido e criado na própria terra, isso deixa-me apreensiva. Estão a extremar-se posições. Começo a sentir-me encurralada entre dois lados, ambos perigosos e mortíferos... o Dylan tem razão, os movimentos de extrema direita estão a ganhar força, expressão e voz, e isso é preocupante, muito preocupante.

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  4. Pronúncia, sei bem que por vezes não estás atenta ao que lês, e não será por mal. O facto de eu achar que é o pior atentado de sempre NÃO tem nada a haver com quem o perpetrou. Está lá muito bem explicado porquê. E admira-me, sinceramente, que não concordes. É que as circunstâncias que enumerei são demasiado horríveis até para quem esteja habituado a atentados. É por elas que penso ser o mais horripilante, o pior de todos os atentados.

    Quanto aos movimentos de extrema direita, são apenas a extrapolação fundamentalista desse tipo de ideologia. Tal como os movimentos de extrema esquerda. O problema não é existirem, é estarem a passar à acção.

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  5. A questão aqui não é a falta ou não de atenção, a questão é que há actos que de tão horrorosos nada os consegue relativizar e considerar uns piores que os outros... para mim são horrores absolutos, todos eles.

    Existirem movimentos extremistas também é perigoso, porque se existem é provável que actuem... e, infelizmente, começam a actuar. Esse é o meu medo.

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  6. Pronúncia,

    Não estou a relativizar nada. A questão é que caçar humanos olhos nos olhos é muito diferente de colocar uma bomba e fugir ou fazer-se explodir. A questão não é o número de vítimas, nem o local nem quem perpetrou. A questão é o estômago que é preciso ter para olhar uma vítima nos olhos e decidir aniquilá-la, o que é muito diferente do terror indiscriminado. A frieza, a monstruosidade do terrorista. Nisso, desculpa lá, e venhas quantas vezes vieres, este atentado é uma monstruosidade sem igual.

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  7. Não acho que se tenha ignorado este atentado. Aliás, a comunicação social não falou de outra coisa. Pode é questionar-se a forma como foi divulgado. Como sempre, a comunicação social foca muito mais os aspectos a "puxar a lágrima" do que o fundamento do ataque.
    Mas que é assustador, lá isso é!
    Quanto à movimentação à volta da cantora-esponja, também se ignorou a fome que grassa no Corno de África em prol das imagens dos fãs da dita rapariga a dizerem banalidades!

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  8. Malena, eu não falei em comunicação social. De facto a comunicação social noticiou, até por obrigação profissional. Refiro-me às pessoas normais, que simplesmente ignoraram este atentado e fizeram dele apenas mais um. Isso é mais assustador do que saber que existe gente como Breivik: saber que existe gente que não quer saber.

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