segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ESQUERDO À GREVE


Ilustração de Marco Joel Santos
Costuma-se falar do direito à greve. Mas eu hoje, e volvidos alguns dias da Greve Geral, constituindo este tempo uma espécie de interregno de maturação e reflexão, e podem perfeitamente aquilatar da minha capacidade de emprego de palavreado caro como sinal de reflexão, escrevo sobre o esquerdo à greve. Até porque o facto de haver o direito à greve, e porque politicamente correcto, implica obviamente, numa óptica de não discriminação, um esquerdo à greve.
O que é o esquerdo à greve? Já lá vamos. Antes de mais, penso que deve também existir o esquerdo à indignação, já que tanto se fala igualmente do direito à indignação. Por outro lado, admito perfeitamente o fim da equidade, já que o nosso excelso presidente decorativo tanto fala do princípio da equidade. Eu penso que isto da equidade me cheira a cavalo, mas já me disseram que não tem nada a ver com equitação. Esse parece ser o princípio da hipidade.
Nos dias antecedentes, precedentes, poscedentes, procedentes e proxenetas à greve, pude assistir à discussão do tema pelas ruas do meu país. Ainda é meu, desde que pague aos senhores da Troika onze mil euros, senão posso ver a Serra da Estrela empenhada. O que se dizia então? Discutiam-se arduamente os factos que levaram à convocação de tão grave acto de protesto? Discutiam-se os planos do governo para minorar o sofrimento do povo? Discutia-se a posição algo dúbia do presidente decorativo? Não. Nada disso. Discutia-se antes se se era a favor ou contra a greve. Mas contra esta greve? Não, também não, discutia-se se se deve ou não poder fazer greves em momentos como este, em que os portugueses tanto se queixam dos impostos excessivos e da inflação.
E algumas pessoas, incluindo o primeiro sinistro, defendem que esta altura, em que as coisas estão más e mais sacrifícios ainda se poderão pedir à abastada classe média portuguesa, não é para fazer greves, mas antes para trabalhar muito, cada vez mais, sem parar, para endireitar as contas do país. Ora então, e na visão iluminada destas pessoas, e sei que é iluminada porque ainda há dinheiro para iluminação pública, embora pense que tal não seja eterno, deve fazer-se greves quando tudo está porreiro e na paz dos anjos. Nessa altura sim, mas agora que se cortam direitos elementares ao pessoal que labuta, isso não! É antipatriótico.
Outras defendem que podiam fazer as greves aos fins de semana, de forma a que estas não prejudiquem a produção do país. Ora, no meu entender, e a minha opinião não é já demasiado iluminada, até porque se fundiu uma lâmpada do candeeiro desta divisão, greves que não incomodam ninguém... não incomodam ninguém, certo? Então... para que servem...?
Por outro lado, e este deve ser o lado esquerdo, ouvi com uma certa atenção e sem grande surpresa, grande parte das pessoas se manifestarem simplesmente contra a greve. Contra o direito à greve. Ora, que eu saiba, e apesar de termos, segundo alguns cérebros novamente muito iluminados, uma Constituição comune... comu... comuni... ou essa palavra maldita, o facto é que a Constituição garante o direito à greve. Bem sei que desde que o Sócrates pediu que Portugal passasse a ser um país do terceiro mundo chulado até ao tutano pelo fmi num período em que só decisões de gestão corrente podiam ser tomadas, a Constituição deixou de ser aquilo que era, e até já se conseguiu um feito digno dos anais e dos vaginais dos livros de História, que é o de reduzir remunerações em Portugal. Mas eu penso que as pessoas são contra os assassinatos. Penso que são, mas já não sei. Se calhar até já concordam com matar outro mânfio por não concordar com ele nas regras de trânsito. Penso que as pessoas não concordam com os assaltos. Ou talvez concordem, desde que feitos com jeitinho e nos fins de semana, para não incomodar a produção do país. Isto de discutirem um dos mais básicos direitos humanos e constitucionais confunde-me e tendo, dado o adiantado da minha degradação cerebral, por certo sintoma de ter visto muitos debates pseudo-económicos na TV, a ficar assim confuso dos pensamentos.
Mas agora vos digo: há um direito à greve. Logo, há um esquerdo à greve. Quem faz greve perde um dia de salário. Perde também, muitas vezes, a confiança do seu patrão, o que não faz qualquer sentido, já que uma pessoa que demonstre ser capaz de se defender é capaz igualmente de trabalhar de forma eficiente, enquanto uma pessoa que tal não demonstre apenas mostra uma enorme vontade de lamber cus. Mas percebe-se porque haja gente que até nem faça greve mesmo concordando com ela. Mas eu, que estou um pouco atrasado em relação ao ritmo dos demais membros desta activa e temerária sociedade, venho promover uma ideia. Sim, eu tive uma ideia. Já sei que sim, quem tem ideias é idiota, mas nem todos podemos ser primeiros sinistros.
A minha ideia é simples. Façam-se os verdadeiros registos de quem faz greve ou não. Retire-se a essa pessoas o tal dia de trabalho, como já contempla a Lei. De seguida, e no decurso dessa e de possivelmente outras greves, analisem-se os direitos que foram conquistados por quem fez as greves. Retirem-se esses direitos a quem não fez. Porque esse é que é o tal esquerdo à greve: é todo aquele que mete ao esquerdo direitos pelos quais não lutou. Lei do esquerdo à greve, JÁ!
PS: obviamente, e como todas as boas Leis, esta deve ter efeitos retroactivos; assim sendo, proponho igualmente que, apenas um dia por ano, de forma simbólica, os esquerdos à greve possam ser agrilhoados aos seus locais de trabalho, laborar essas 24 horas com direito a um pedaço de pão e meio copo de água. Devem depois entregar toda a produção ao senhor, retirados, obviamente, dez por cento da mesma para o dízimo à Igreja. No final desse dia, o senhor decidirá se poderão comer no dia seguinte... ou não. Poderia ser, eventualmente, e se não forem demasiado burros, uma forma de lhes mostrar o que as greves e protestos populares conseguiram desde os tempos feudais. Mas só se não forem mesmo muito burros.

6 comentários:

  1. Brilhante, como sempre.
    Penso que só te faltou como medida retroactiva, o sacrifício dos primogénitos varões na tua lei do esquerdo à greve...
    Valeu a pena esperar para todos podermos aquilatar o teu palavreado erudito.
    De facto é um ponto fulcral esse de que uns se sacrificam e outros mamam à sombra o resultado do trabalho e sofrimento alheio.
    Um abraço, meu caro.

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  2. Obrigado, Arame Farpado. Bondade tua. Lembrei-me do direito de "Prima Notte", mas achei demasiado pornográfico...

    A verdade é que ninguém parece pensar neste pormenor. É que quem nada faz para lutar, nao enjeita mais tarde os resultados da luta dos outros...

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  3. Curiosamente, disse exactamente isso aos meus colegas de profissão!!! Que deveriam ser excluídos de todas as conquistas para as quais contribuiu o sacrifício de todos os que fizeram greves ao longo dos anos!

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  4. excelente. eu tenho outra ideia anti democratica: sou contra o voto secreto. Eu quero saber quem vota em quem para nos podermos chatear uns aos outros....é que passado um tempo ninguem vota nas maiorias destruidoras....ninguem foi.

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  5. Malena, essa é uma perspectiva que pouca gente tem em conta. Os resultados das lutas dos povos são para todo o povo, mesmo que apenas alguns desgraçados sejam os sacrificados pela luta.

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  6. Tripalio, camarada, uma prespectiva interessante. Já se nota. Ninguém votou no PSD ou no CDS... Tal como ninguém tinha votado no Socretino. Comigo podem contar, é que... não votei mesmo!

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