segunda-feira, 19 de agosto de 2013

OS PATOS DO COSTUME

Ilustração Marco Joel Santos

Não é de hoje que certas características ou comportamentos humanos são associados a animais. O primeiro animal a ser venerado pelas suas características pode ter sido o touro, que representava força. Já no tempo das primeiras cidades se encontra esta associação e veneração. No tempo dos egípcios, cada deus tinha uma contraparte animal, resultando num panteão divertido do ponto de vista zoológico, colorido e muito completo, dada a extensão de características humanas associadas a cada um. Os gregos preferiam os animais grotescos e mitológicos, e os romanos provavelmente preferiam o que os gregos preferiram antes deles. Os cristãos, à boa maneira judaica, eliminaram estas associações, mas nem uma nem outra religiões e sociedades passaram incólumes à associação entre um animal e uma dada característica humana.
Por exemplo, diz-se de uma pessoa muito valente que é um leão, pois tem a coragem de um leão. Coisa estranha, atendendo que o leão dorme 23 horas por dia e só perde uma hora não a procurar e matar comida, mas a afastar leoas e juvenis felinos africanos da carcaça que as fêmeas abateram. Costuma igualmente dizer-se de uma pessoa clarividente que tem olho de águia. Talvez, a julgar pela abertura do campeonato na Madeira, as águias lá tenham utilizado um qualquer olho que não se encontra na respectiva cabeça do garboso predador alado.
Mas também há as depreciações. Por exemplo, o pato. O pato, todos concordam, é um animal simpático. E se a associação da sua vertente selvagem ao empreiteiro habilidoso existe, também não é menos verdade que a expressão “cair que nem um pato” ou “saber a pato” indicam que o pato é uma pessoa habitualmente pouco atenta, de crença fácil e que é enganado com facilidade.
Porquê esta lengalenga toda? Porque me parece que grande parte do povo português é constituída por excelentes exemplos desse simpático palmípede que é o pato. Talvez me atreva a ir mais longe e a dizer que vários povos, senão todos, são excelentes viveiros de patos. Basta olhar para toda a confusão em redor do rochedo de Gibraltar, com uma Espanha empenhada em recuperar a soberania de tão importante território – quando esquece que tem dois casos similares em África – para perceber que algo não vai bem em Espanha e que tudo isto é milho para patos. E os patos acreditam, e comem o milho e sentem-se felizes por tão bem informados.
Em Portugal, há coisas que não vão bem. É verdade que temos um crescimento económico de dois pontos negativos. É verdade que temos um primeiro-ministro que elegeu Portugal como o adversário a eliminar (quem quer eliminar a Constituição de um Estado quer eliminar esse Estado). É verdade que estamos prestes a assistir à maior ofensiva do governo no sentido de derrotar o povo português e o condenar à escravidão para sempre – processo, aliás, já começado há muito. E os patos? Os patos tiveram hoje a bola, pois claro. Têm as touradas e o fado (muito curioso este ressurgimento fadista). E agora têm a Judite e as suas entrevistas.
E vejam como foi fácil – tão fácil – pôr todo o povo português a defender um pobre coitado de um bilionário frívolo, frugal e inculto. Não são defeitos, não lhe estou a chamar nomes feios – é apenas o que ele demonstrou ser. Que delícia para um governo liberal, ver um povo escravizado, martirizado, a passar fome, defender um rico com unhas e dentes. Perante a agressividade que – dizem – é pouco profissional da Judite, defendeu-se o pobre bilionário que “gasta o dinheiro como quer, porque é dele” e que “não é obrigado a ajudar seja quem for”. Bem verdade. Obrigado a ajudar os outros sou eu, e os outros pobres, que enchemos os carrinhos dos bancos alimentares e aas latinhas das Ligas contra Qualquer Coisa, e compramos bugigangas para ajudar a comprar cadeiras de rodas para deficientes, para – quanto mais não seja – não ficar mal na fotografia. Obrigado a ajudar sou eu, e os outros pobres, a pagar impostos para ajudar o país. Ele não, ele não é obrigado, porque o dinheiro é dele. Obrigado por me dizer que o pouco dinheiro que tenho não é meu – é bem verdade.
E depois andamos a partilhar links no Facebook sobre a Isabelinha dos Santos e a sua incomensurável fortuna de origem duvidosa. E depois criticamos o Cristiano Ronaldo pelo luxo de que se faz rodear. Mas, e como se escreve na Bíblia, em verdade, vos digo, meus irmãos patos, que até o Cristiano Ronaldo faz alguma coisa na vida para ser como é, e por acaso até o faz bem. E por acaso até contribui para muitas obras de caridade – e se mais não fosse, cada elemento da família dele. E criticamos a Isabelinha e o pai corrupto até à pontinha dos cabelos agora brancos, dizendo que a origem da sua fortuna é obscura. Já quanto ao nosso pobre bilionário, o tal “rapazito”, o dinheiro é dele (a sua origem não me parece muito menos obscura que a da Isabelinha), pode fazer o que quiser. E não precisa de fazer nada, só de existir, porque é rico e só precisa de tempo de antena, mas já o Cristiano Ronaldo é uma besta.
Patos. Não passamos de patos. E, no meio disto tudo, de tão absurdo que este assunto é, nem nos lembramos daquilo que realmente é importante. Aliás, até nos puseram, em uníssono, a defender um pobre bilionário quando um governo liberal ao serviço dessa mesma gente nos tira tudo o que pagamos. Somos os patos do costume.


2 comentários:

  1. partilhei, citei, concordei em todos os aspectos...

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  2. Com contornos de comédia... mas a roçar a verdade!
    Apercebi-me lendo este post, que o galo de Barcelos como um dos símbolos nacionais, está condenado. O pato será o seu sucessor!
    O palácio de Belém será possivelmente visto como o manguito. Porque não? Já agora!

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