quarta-feira, 15 de julho de 2015

A SUL DO PARAÍSO

Ilustração de Marco Joel Santos
Quando o “não” ganhou no referendo que se realizou na Grécia li e ouvi algumas reacções que me pareceram caídas de um qualquer paraíso cuja percepção se me escapou por um qualquer lapso de raciocínio. Dizia-se que era a vitória da liberdade e da democracia, logo ali, onde ela nasceu.
 Deixem-me esclarecer uma coisa sobre a democracia ateniense (não era democracia em toda a Grécia Clássica, mas sim em Atenas). A democracia ateniense era uma democracia pouco democrática. Votavam apenas homens livres e nascidos em Atenas. Todos os outros – mulheres, estrangeiros e escravos – não votavam. Ou seja, só dez por cento da população de Atenas tinha direito de voto. E mesmo assim, aquilo que se passou na Grécia naquele domingo dia 5 de Julho já havia acontecido em Atenas em tempos muito remotos. Também Dracon, strategos de Atenas, depois de ser eleito, impôs a maior onda de austeridade vista até então, não só em Atenas como em toda a Grécia (o que equivalia a dizer em toda a Europa, pois a Grécia era a Europa, o resto nem paisagem era). Daí o chavão político “medidas draconianas”. Por isso, nada de novo.
Uma semana depois, o próprio governo grego apresenta uma proposta que parecia, depois do não no referendo, absolutamente irreal. Afinal, Tsipras conseguiu transformar uma demonstração de força do povo grego numa demonstração de alinhamento em tudo e mais algum par de botas que Schauble lhe quis enfiar pelo rabo acima. Como sempre disse que iria acontecer inequivocamente. E daqui para a frente, tudo vai correr como é habitual: os gregos a fingir que fazem e a Europa a fingir que não sabe que os gregos não fazem. Tudo na paz dos anjos e mais 82 mil milhões de euros para deitar à fogueira.
Ao contrário de quase toda a gente que escreveu sobre isto, vou focar-me naquilo que ninguém quer saber, mas que toda a gente sabe.
Tsipras e o Syriza são um bando de covardes. Ao contrário do que os seus defensores dizem, ao considerarem aquela malta com os tomates no sítio por enfrentarem Schauble. Não, enfrentar Schauble com a certeza de que vão perder mais uma vez não é coragem, é apenas falta de inteligência. A covardia desta gente consiste numa coisa muito simples: ainda acreditam no Pai Natal. Acreditar que esta UE admite que um governo de esquerda possa governar no Euro é simplesmente ingénuo. Não pode. Apenas dois partidos podem ter governos na UE e esses são a extrema-direita e neoliberalismo. Em que se enquadram os três partidos do arco da governação em Portugal. Não são bons nem são maus, nem os estou a acusar de serem isto ou aquilo. É a realidade.
O Syriza comete o pecado último contra a esquerda europeia, que é o de enfrentar toda esta crise sem a coragem de dar o murro na mesa de forma definitiva e bater com a porta. Sair do Euro e quiçá da UE. Mas isso requer a preparação de um plano B que, por sua vez e manifestamente, requer coragem efectiva. A coragem que, em Portugal, só vejo um partido ter. Não que seja a favor ou contra a permanência de Portugal no Euro. Isso não está em causa (a propósito, sou contra, e sair é quanto antes). O que está em causa é parar de fingir que tudo está bem quando está tudo mal. E isso, nem Syriza nem partido nenhum tem feito. A saída do euro pode ser catastrófica. Ou não. Ninguém sabe, porque nunca aconteceu.
Ora, como pode a saída do euro ser catastrófica para países como Portugal e Grécia, se o próprio Schauble propôs que a Grécia saísse do euro, pusesse as suas contas em ordem e voltasse daqui a uns cinco anos? Bem, se Schauble pensa que um país pode pôr as contas em ordem fora do euro, depois de ter lá estado… se calhar está-nos a escapar alguma coisa aqui. Por outro lado, a proposta de Schauble só pode ser uma de duas coisas: absolutamente revanchista e o supremo castigo para os gregos, se pensa no descalabro financeiro e económico que a saída do euro pode representar. Ou então, o homem é estúpido como uma porta e provavelmente perdeu mais que a capacidade de locomoção no acidente, pois se a Grécia conseguisse melhorar fora do euro, por que razão iria voltar mais tarde…?
Uma saída do euro era a cartada suprema da Grécia, e só poderia ir por aí, se tivesse coragem. Não teve. Nada que me admire muito nestes pseudo-partidos saídos de plataformas disto e daquilo, desde os insatisfeitos aos defensores do caracol. Uma coisa é discutir as coisas entre croquetes e imitações de caviar e outra é pegar o touro pelos cornos. Por isso, a minha opinião é que o Syriza está infestado de uma data de covardes.
O futuro da UE? Não sei. Sei que a Europa é continente da Guerra e do Sangue. Foi aqui que os mais sangrentos conflitos mundiais tiveram lugar. É abusivo pensar que se podem repetir. Mas devemos não esquecer que o principal objectivo da UE foi o de garantir a paz na Europa, ao “orientar” a Alemanha. Com a unificação alemã, passou a ser a Alemanha a “orientar” a UE. Quando a Prússia passou a orientar a Europa, deu-se a segunda guerra continental, a Franco-Prussiana. Quando a Alemanha passou a orientar os eixos coloniais europeus, deu-se a primeira guerra mundial. Quando a Alemanha passou a orientar o “espaço vital” europeu, deu-se a segunda guerra mundial.

E sim, acho que quem deve tem de pagar, mas também quem empresta tem de saber a quem empresta. A Grécia não vai pagar, porque vai desaparecer o pouco que resta da sua economia, e dentro de três anos estaremos todos a assistir a mais uma bancarrota. Dizem que sair do euro agora seria catastrófico para a Grécia. E daqui a três anos? Seria catastrófico porque a dívida está toda em euros, e a moeda que entretanto se arranjaria para circular iria desvalorizar face ao euro, aumentando a dívida todos os anos. Claro que se a Grécia e Portugal e mais alguns que por aí andam saíssem, o Euro iria manter-se forte, não desvalorizaria… Sim, o Pai Natal outra vez… E nós, crentes, sempre dizemos “mas sair era pior”… Pior em quê? Acham que o euro sobrevivia? A forma de reestruturar a dívida é acabar com o euro. Vão ver como as dívidas, de repente, se aligeiram…

2 comentários:

  1. O Euro só terá condições de funcionar em pleno se a Europa se tornar uma federação, caso contrário o nível de endividamento dos países periféricos só terá tendência a aumentar, e esse dinheiro acabará sempre por ser transferido para as economias centrais, sobretudo para a Alemã.
    Numa federação, essa transferência equilibrar-se-ia através de transferências orçamentais para a periferia. Num grupo de países, o endividamento da periferia alimenta o superavit do centro!

    Desde há algum tempo que tenho a forte suspeita de que toda esta barafunda é uma maneira de forçar os países da zona Euro a aceitar, ou mesmo, a implorar por uma federação.
    Quando a ideia de federação foi lançada há uns anos atrás a esmagadora maioria dos Europeus estava contra...
    ...mas com o dinheiro a faltar nas carteiras das pessoas, mesmo para as necessidades mais básicas, aceitar perder a soberania em troca de comida na mesa...

    Aquilo que na verdade ninguém diz é que o dinheiro não é nada mais que uma promessa do emissor de que esse dinheiro existe. Ou seja, o valor de uma moeda baseia-se na fé que os outros têm nela, porque na realidade o dinheiro não existe e é criado do ar!
    Quando o dinheiro se baseava em valor real, por exemplo, nas modas de ouro, havia duas hipóteses: Ou tinhas, ou não tinhas! Hoje em dia é um valor meramente especulativo! Nesse sentido, nada impede qualquer país de emitir uma moeda e fixar o seu valor. Claro que o problema não será o valor que achamos que o nosso dinheiro tem, é mais o valor que os outros acham que o nosso dinheiro tem...

    Sair do Euro pode ser um problema porque os outros atribuirão um valor demasiado baixo a uma determinada moeda em relação ao Euro, numa pura base especulativa...
    ...mas não é impossível!

    De qualquer forma, a crise na Grécia demonstrou inequivocamente que o Euro é uma moeda a prazo, a não ser que daqui a uns dez anos, no máximo, sejamos todos cidadãos da federação Europeia...
    ...porque se não formos, o Euro vai rebentar pelas costuras mal amanhadas com que foi feito...
    ...e arrastar a periferia da Europa para a lama junto com ele...

    :)

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  2. O euro é uma moeda sem estado ou melhor com um estado...a Alemanha. O euro e seus tratados associados não permitem qualquer desvio ao caminho de definhamento de países mais débeis economicamente. Fez bem , fez mal o Governo grego? não sei... penso que um país pequeno e sem peso não pode sair neste momento do euro... é massacrado logo pelos ditos mercados. No entanto o Governo Grego nunca colocou, ma a meu ver, a questão da saída do euro como uma possibilidade. devia tê lo feito claramente, mas se calhar não ganhava as eleições...Este chove não molha vai continuar por muitos anos, e de facto a UE conseguiu criar um colete de forças difícil de romper...e gerará sempre desvalorizações salariais e de pensões e direitos, ao invés de desvalorizações cambiais...

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