quinta-feira, 23 de julho de 2015

EU, TERRORISTA, ME CONFESSO

Ilustração Marco Joel Santos
            Por vezes, a ideia que nutrimos acerca de determinadas pessoas não é a mais correcta. Isso já sabia e não é necessário recorrer demasiado à capacidade de memória para me lembrar de exemplos. Daqueles que conhecemos pessoalmente, é relativamente fácil discriminar os que são genuinamente como os pensamos ou não. Fazemos a seriação naturalmente, baseada no jogo da confiança ganha ou perdida. Já daqueles que só conhecemos pelos media ou pela sua actividade, é mais difícil distinguir os que nos agradam ou não.
            Durante muitos anos, Miguel Esteves Cardoso foi para mim um referencial de fina ironia no tratamento das mais diversas questões, o que só me fez nutrir uma sincera admiração pela sua forma de estar e de, aparentemente, ser. Tanto que, vendo num qualquer escaparate um dos seus últimos livros, o comprei sem grandes hesitações. O palavrão na capa, admito, fez-me aguçar um pouco mais a curiosidade. Li o livro de forma interessada, sempre esperando aquele registo de humor fino e inteligente, de pura ironia roçando o elegante sarcasmo, com que tantas vezes havia identificado o autor nas saudosas Noites da Má Língua. Em vão. Deparei-me com um livro introspectivo, sim, mas pouco interessante e com um tratamento pouco imaginativo dos pensamentos e alusões do autor. Pensei eu que era apenas uma fase má e que tinha tido o azar de o apanhar num mau momento – e ainda penso assim, pois o momento do livro não era dado a grandes lirismos.
            Os artigos de opinião de Miguel Esteves Cardoso sempre me passaram ao lado. Ou por irrelevância quanto ao que se passa neste mundo ou simplesmente, acredito, por irrelevância para aquilo que eu penso. São coisas diferentes que convém distinguir, e provavelmente a menor das culpas será do autor visado. No entanto, este artigo é diferente. E é diferente não porque me vise particularmente, mas antes pelo exercício de boçalidade estéril a que se entrega MEC. Deixo ao critério de cada um procurar saber se está certo ou errado, pois nem isso é o mais importante.
            O importante é como estas figuras, que amiudadamente nos entram pela vida dentro com as suas opiniões, são seguidas acolitamente por muitos outros seres humanos por aí espalhados, que também eles fazem das palavras de um MEC as suas próprias, que apregoam aos quatro ventos como a mais pura das verdades. Ora, no caso vertente, MEC compara os fumadores e utilizadores de telemóvel das esplanadas com terroristas. É o meu caso, e para muitos milhares de acólitos da igreja Mecana, não só para o MEC.
            Aqui estou, então, para assumir a minha culpa como terrorista. Eu, terrorista, me confesso. É verdade que sou pessoa dada a algum recato e aprecio a calma e pacatez do passar dos dias. Por essa razão, vejo sempre como dúbia a possibilidade de descansar ou descontrair numa esplanada de Verão. Mas MEC, quando quer descontrair, quando quer paz e sossego, vai para uma esplanada de Verão. Note-se, de Verão. Não de Inverno ou de Outono, quando estes sítios são de facto aprazivelmente sossegados e contemplativos – pelo menos os que permanecem abertos – mas sim de Verão, quando estão pejados de locais, turistas, emigrantes veraneantes, moscas, cães abandonados que farejam uma magra refeição e ainda de fumadores e portadores de telemóveis.
            Não sou portador de telemóvel nestas ocasiões. O telemóvel é ferramenta de trabalho e pouco mais. À família não se fala pelo telemóvel, visita-se. Aos amigos não se fala pelo telemóvel, convive-se. Se bem que pode dar jeito para combinar qualquer uma das coisas. Falar ao telemóvel em público, no entanto, não é mais prejudicial que falar simplesmente. Ou seja, se estiver numa esplanada posso estar acompanhado – o mais certo - e naturalmente falo. Por que razão MEC se sente intimidado ou incomodado pelas conversas de telemóvel dos outros é para mim um mistério. Logo se juntou uma trupe por essas redes sociais fora a aventar a possibilidade de se legislar o silêncio em esplanadas de Verão e (não sei bem porquê) transportes públicos. Ou seja, passaram estes locais a ser equiparados, por muita gente, a igrejas, hospitais e tanatórios.
            Quanto a fumar, sim, sou terrorista. Porque fumo. E fumo quando muito raramente me sento numa esplanada. Dantes podia-se fumar em todo o lado, agora não se pode fumar em lado algum que tenha tecto e seja de acesso público. Percebo a lógica e ainda bem que assim é. Quando me perguntam à porta do restaurante se quero ir para “fumadores” ou “não-fumadores”, e onde existe essa possibilidade, escolho sempre “não-fumadores”. Porque estou ali para comer e não para fumar. Para fumar, posso sempre ir à esplanada do restaurante – se a tiver. A menos que o MEC lá esteja. Caso contrário tenho de passar de fininho para não incomodar o silêncio sepulcral requerido pelo senhor e ir fumar para o distrito adjacente, pois a distância entre mesas é insuficiente para o olfacto apurado dos buscadores de paz e sossego.
            É caso para dizer que têm tristes casas, estes buscadores. Pois é lá que encontro, normalmente, a minha paz e o meu sossego. Mas somos todos diferentes, e eu até sou terrorista. Não me preocupa estas pessoas me apelidarem de terrorista. É para o lado que durmo melhor. Preocupa-me a febre restritiva que paira nestas cabeças. Preocupa-me o facto de um dia, querer sair de casa e não conseguir fazê-lo sem infringir meia dúzia de leis. Preocupa-me a saúde financeira das operadoras de redes móveis, quando não se puder falar ao telemóvel. Preocupa-me que as pessoas que não querem um fumador na mesa adjacente vão para as esplanadas de Verão de carro, mas não eléctrico.

            Enfim, preocupa-me que estas pessoas vão para o raio que as parta, porque eu não quero que vão. Porque elas são iguais a mim, e eu igual a elas. Com a diferença de elas não serem terroristas.

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