domingo, 9 de outubro de 2011

DECADÊNCIA


Foto Google

Certo, mas mesmo certo é que nunca acerto com as horas das chuvas de estrelas. Ou é porque tenho dificuldades em ver as dificuldades de dicção da Catarina Furtado ou então apenas porque me mandam ir esticar a cervical a uma hora que nada tem a ver com a hora em que as poeiras cósmicas decidem estatelar-se na nossa atmosfera. Era para ser das três às quatro da madrugada de hoje, mas afinal parece que foi tudo adiado para as cinco da tarde. E só se conseguiam ver mais a partir das nove da noite. Até faz sentido, foi para deixar fechar as urnas na Madeira.
Fecharam-se as urnas na Madeira, venham de lá as estrelas aos trambolhões. A propósito, fecharam-se as urnas da Madeira mas consta que em nenhuma delas será enterrado o Jardim. É que são urnas de votos e não de desejos. Seja como for, as estrelas cadentes ou simplesmente meteoros, como aprendi de uma estimada professora, e digam lá que eles não ensinam nada, fazem-me lembrar as estrelas decadentes.
De enfiada, encadeando o raciocínio, vai de estrela decadente ao Cavaco num instante, não fosse ele o grande sintoma de decadência portuguesa. O homem que nos manda aguentar a austeridade com dignidade, aquele que quer que fintemos as previsões, enfim, o homem que se fartou de fazer avisos ao Sócrates sobre a situação em que nos estava a meter o ex-futuro-engenheiro-futuro-filósofo. Ou foi isso, ou sonhou com isso, ele agora não sabe bem como foi. Como ninguém ouviu palavra do que ele disse a esse respeito, quer dizer que sonhou com isso. Aliás, parece-me ser o grande sonho de Cavaco: ser um ser activo, actuante e quem sabe que consegue dizer alguma coisa às vezes.
Sim, é certo que Cavaco entrou numa fase da carreira em que as alucinações são já fruto da provecta idade, e que temos de entender que quem viu vacas a rir provavelmente até pensa, no seu universo muito próprio, que alguém o respeita. Ora, sabemos nós que alguns o respeitam. Noventa e nove por cento da população portuguesa já se apercebeu que o caso não é para respeito, mas apenas para piedade. Para ter pena. O povo já se apercebeu que um homem que manda as pessoas para a pesca, quando foi ele que desmantelou a frota pesqueira, não é de levar a sério. Um homem que pagou a proprietários de terrenos para arrancar tudo o que pudesse produzir algo e que agora diz para nos virarmos para a agricultura, não é para levar a sério. Não é para levar a sério um homem que diz ser necessário retirar peso e dimensão à função pública e ao Estado, quando foi o governante que fez disparar os números de funcionários públicos em cerca de 150% quando foi primeiro ministro.
Começo a pensar como realmente Cavaco conseguiu estar vinte anos à frente dos destinos, ou por lá perto, deste país. Mas depois olho o país e percebo porque esteve ele vinte anos no poder, e mais percebo porque está o país na situação em que se encontra. A grande semelhança entre uma estrela cadente e Cavaco é o adjectivo. Os meteoros são cadentes e o Cavaco é decadente. A grande diferença é que os primeiros queimam-se em contacto com a atmosfera terrestre. O Cavaco queimou-nos a todos.
Cavaco, a cada discurso que faz substituindo os ministros do actual governo, considerando e bem que cada vez que estes abrem a boca, é uma tragédia grega, apela à união dos portugueses. E nada tem de mal, os portugueses devem estar unidos em tempos adversos (e nos outros também). Mas apela à união derrotista, à união triste daqueles que desistiram de lutar por um futuro melhor para si e para gerações vindouras. Ele apela a que os portugueses resistam estoicamente enquanto são esmagados pelo governo. Apela a que trabalhemos mais, muito mais e melhor, muito melhor, para podermos melhorar a nossa vida, enquanto vemos que, trabalhemos mais ou menos, melhor ou pior, a nossa vida só está a piorar cada vez mais.
Cavaco não vive neste mundo. Não vive no mundo do ordenado mínimo, ou dos recibos verdes, ou do desemprego ou da miséria que já aflora por todo o lado. Cavaco vive ainda nos tempos em que conseguiu desbaratar um mar de dinheiros europeus que distribuiu por malfeitores que o fizeram desaparecer. Vive ainda nos tempos em que o seu círculo íntimo de amigos roubava dinheiro a depositantes de bancos do seu próprio partido. A física é ingrata. Não há uma atmosfera densa o suficiente para queimar de vez um homem que se refugia num mundo tão distante como o de Cavaco.

6 comentários:

  1. Fui ver a chuva de estrelas e foi engraçada. Fartei-me de pedir desejos, acho que pedi desejos para uns 200 anos de vida. Espero que os meus feilhos e netos possa herdá-los (se até lá o governo não se lembrar de confiscar desejos ou aplicar-lhes uma taxa qualquer.

    Dizes bem. Olha-se para o país que elege Jardins e percebe-se porque temos Cavacos e Coelhos e outras coisas destas por cá. Ando a ler um livro muito giro chamado Elites e Poder, e fico mais descansada por já haver senhores que em 1902 toparam como funciona esta podridão dos partidos e como estes seleccionam a podridão que disputa eleições. Temos estes líderes porque acabamos por ter um leque de merda de onde temos de eleger, invariavelmente, merda. Temos estes líderes porque não exigimos um sistema melhor.

    É feio dizer que sonho com o dia em que Alberto João Jardim vai ser enterrado dentro de uma urna?

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  2. Sara, quem diz a verdade não merece castigo. Já ouvi falar desse livro mas nunca o li. Um destes dias... Nas férias das aulas, que agora já tenho muito que ler.

    Feio? Pode até ser feio, mas é um desejo legítimo. Não desejaste isso com nenhum meteoro?

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  3. Não desperdicei nenhum dos meus desejos com aquele dejecto...
    P.S.: O livro de que falei é uma boa compilação de análise a obras de alguns autores. Se não tens muito tempo, é o ideal :)

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  4. Sara, és capaz de ter feito bem...

    Vou ver, talvez o leia.
    Não és a primeira pessoa a falar-me bem dessa síntese.

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  5. O Salazarismo, caracterizado pelo Estado Novo, e o Cavaquismo, pós-25 de Abril, moldaram este país de um cinzentismo extremo. Cínicos, frios, longos, longos demais. O último, sai beliscado do escândalo Oliveira e Costa/ Dias Loureiro, da epopeia do betão, do triste fim de algumas linhas de Caminhos de Ferro e do despesismo de fundos comunitários.

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  6. Dylan, bem me parece que está próximo da realidade. Pior ainda, os piores cegos são os que não querem ver. No caso, não querem ver a inutilidade intelectual do personagem. Estranho povo o que celebra a tacanhez e a burrice.

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