Há uns anos, os bifes da menina joanete até me teriam
inflamado o discurso. Mas hoje, depois de tanto tempo, tendo a temperar os
comentários com sal e pimenta quanto baste apenas, com toques de salsa porque
coentros é coisa que me tira do sério. A verdade é que ninguém gosta de ouvir o
que a menina joanete disse. Talvez porque alguns se revêem nas suas palavras, uns
na autoria e outros como alvos das mesmas, a quem a carapuça serviu. E a
maioria, tenho a certeza, porque não se identifica minimamente, quer numa
situação quer noutra.
Os meus medos confirmam-se plenamente, e este quase país
está a transformar-se no ideal de direita que é o Estado-Caridade. Quem acompanha
o ritmo, vive, quem não acompanha merece toda e qualquer humilhação que se lhe
possa ser infligida, incluindo tomar comprimidos que já ninguém quer, comprar
alimentos fora de prazo ou, enfim, alimentar-se por especial favor de um
qualquer banco de uma qualquer joanete. Há quem diga que é a helenização do país.
Espero que não, porque numa coisa a joanete tem razão: para a Grécia ainda nos
falta muito – temo ser apenas questão de tempo.
A menina joanete, entretanto, diz que os filhos lavam os
dentes com a água a correr. Quantas conclusões brilhantes daqui não se poderiam
tirar. Por acaso, eu próprio lavo os dentes sem água a correr. Sempre assim fui
ensinado. Mas se os filhos da joanete, os joanetinhos, todos os cinco, lavam os
dentes com a água a correr, bem se pode dizer que a joanete não é grande
espingarda como educadora. Ainda para mais, com cinco joanetinhos a lavar os
dentes com a água a correr, das duas uma: ou ainda a água é fornecida pelo
Estado ou então também vem do banco alimentar.
A joanete formou-se em Economia na Universidade Católica,
em 1982, com vinte e dois aninhos. Tem cinco filhos, e uma cara de sonsa que
sempre me incomodou. Além disso, tem propensão para ter afirmações extraordinárias
para quem é voluntária numa organização que pretende ajudar os outros, que
roçam muitas vezes o puro desprezo pela pobreza. Em 1983, repare-se, um ano
depois de se formar, e com apenas 23 anos, ocupou o cargo de adjunta da direcção
da Sociedade Portuguesa de Seguros. Quatro anos mais tarde, com apenas 27 anos,
já fazia parte da direcção financeira da Assurances Generale de France, com
trabalho em Bruxelas. Ora, eu não sou de intrigas, mas já vi filmes onde
gaiatos de 23, 25 ou 27 anos se tornam especialistas de um momento para o
outro. A partir de 1993, então com 33 anos, joanete dedica-se por inteiro, ao
que parece, à caridadezinha, sendo actualmente presidente do Banco Alimentar
contra a Fome, aquela organização que enche os bolsos à Sonae Distribuição e à
Jerónimo Martins quando faz campanhas para ajudar amigos, campanhas que, já então
por esse mesmo motivo, tinha muita dificuldade em compreender ou apoiar. Na altura
diziam que eu não era solidário.
A joanete não conhece miséria em Portugal. Caso para
dizer: porque raio preside a um Banco Alimentar contra a FOME? Ah, sim, porque
a fome não é miséria… com certeza, para a joanete, menina da linha, a fome é
consumir leite sem Nesquick. A miséria é só ter Nesquick e não ter leite.
A joanete diz que os portugueses não podem comer bifes
todos os dias. É verdade, e a joanete tem razão nisso. Eu, por exemplo, a modos
que como bifes quando calha. Mas até é bom que não os coma, fazem-me mal ao
colesterol, que por razões hereditárias, normalmente excede os recordes dos fórmula
1 na recta da meta do Estoril. Estoril porquê? Porque Estoril a joanete
conhece, fica na linha. Mas a joanete não sabe que a esmagadora maioria dos
portugueses não come bifes todos os dias? Uma vez por semana já não será muito
mau… Ok, estou a ser mau, eu bem sei que a joanete estava a ser figurativa. Os bifes
são uma metáfora. Bem, na realidade, para a maioria do pessoal são até uma hipérbole…
Já os jovens que vão a concertos dão comichões no cérebro
à joanete. Com certeza os joanetinhos nunca foram a um concerto, até porque são
um antro de perdição não compatível com a convicção católica da joanete. Aliás,
a cultura é uma coisa muito própria deste tipo de gente, mas não deve ser acessível
ao pobrezinho. Coitadinho, até porque ele nem entende a cultura… em
alternativa, a joanete preferia que os jovens guardassem o dinheiro do concerto
para a eventualidade de ter de tirar uma radiografia por causa de uma queda
numa aula de ginástica. A joanete antecipa-se e até já se esquece que existe
uma coisa chamada Seguro Escolar para as aulas de ginástica que paga as
radiografias no Serviço Nacional de Saúde. Mas a joanete entende, e bem, que a
continuarem os seus amigos no governo, tanto o seguro, como as aulas de ginástica
como a saúde são coisas para quem puder pagar. O resto tem direito ao Banco
Alimentar contra a falta de Nesquick… sim, porque fome é falta de Nesquick, e não
existe miséria em Portugal.
Um dia, hão-de inventar uma forma de remover
cirurgicamente os joanetes. Até lá, não fiquem sem Nesquick.
Nada a acrescentar! Pena que não se removam joanetes facilmente...
ResponderEliminarUIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII, este é persistente!!!
EliminarCaro, cirrus, Li deliciado, e vou roubar este post com se me deres autorização...
ResponderEliminarCamarada Tripalio, estará sempre à vontade.
EliminarApesar de não ter visto o que esta moça esteve a arrotar (e já agora, não vou perder meu tempo com ela), devo confessar que este foi dos melhores textos que tive o prazer de ler ultimamente.
ResponderEliminarVou pensar em tudo isso no dia da próxima campanha...
Cat, não te deixes influenciar pela minha opinião. Eu sou suspeito.
EliminarSe por um lado acho que ela foi mal interpretada em algumas das suas palavras, também acho que realmente parece ter pouca noção do que se passa numa realidade que está bem próxima dela...
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