domingo, 15 de maio de 2011

O PARLAMENTO MEDIEVAL PORTUGUÊS


As Cortes de Leiria - Jaime Barata
As cortes eram, grosso modo, assembleias onde o rei reunia as classes que compunham, ao fim e ao cabo, o tecido social do reino. Havia lugar para membros e representantes da Nobreza, do Clero e dos Concelhos, ou seja, do povo. Normalmente convocadas pelo rei, acontecia igualmente serem auto-convocadas e até marcadas de umas sessões para as seguintes. A realidade é que, presos a considerandos jurídicos ou de carácter jurídico, os estudiosos tendem a considerar, de forma geral, as cortes como acontecimentos onde se apresentavam algumas queixas das diversas classes sociais, face a outras, ou mesmo, mais raramente, face ao rei e seus áulicos. A verdade, no entanto, vai bem para além disto. As cortes não eram apenas reuniões de auscultação do rei para saber o estado do reino. Armindo de Sousa ousa, no seu artigo “O Parlamento Medieval Português”, pôr em causa uma ideia antiga sobre as cortes. Assenta a sua argumentação em três pontos essenciais: as cortes como uma sub-estrutura da estrutura política, o facto de terem sido investidas não de poder mas de autoridade e, finalmente, o facto de serem verdadeiramente representativas do país, e nesse particular, um verdadeiro parlamento.
Particularmente a partir da fundação da II Dinastia, em 1385, as cortes sobressaem como uma verdadeira sub-estrutura da estrutura política da época. Defende Armindo de Sousa, na pág.49 do artigo subjacente, que as cortes assumem este papel de forma nítida. Igualmente outros autores o defendem, sendo que se ressalva o carácter iterativo da instituição, uma vez não se tratar de uma instituição reunida em permanência, mas convocada, mas onde tanto o rei tratava de propor os negócios aos representantes das classes, bem como aceitava tratar de outros assuntos que as classes decidissem colocar em discussão. Apesar da sua iteratividade, não há dúvida que devemos considerar as cortes como uma instituição de carácter legislativo permanente, sendo mais antiga, por exemplo, que o famoso English Parliament.
O facto de as cortes nunca terem tido um regimento escrito deu-lhes uma liberdade de regras que confirmam que a sua origem parece ter sido gradual, segundo A.Sousa. Não resultam de uma imposição de código ou vontade, mas antes mediante a força das circunstâncias. Nesse aspecto, o problema das origens das cortes não é de grande importância, porque esta estrutura cresceu em função da sua época, e serviu os propósitos do seu tempo, não sendo um decalque de qualquer outra estrutura análoga do passado, que por certo teria cumprido funções diferentes, ainda que similares, como as cúrias régias ibéricas.
O segundo ponto de argumentação de A.Sousa é de capital importância, uma vez que revela a verdadeira importância das cortes, e essa é a sua autoridade. Buscando entre os autores de antropologia política, como Beattie e o famoso Weber, inspirador de autores como Landes. A.Sousa pretende distinguir, na época medieval, poder de autoridade. Assim, o poder é baseado na desigualdade social e na dominação. Quem detém o poder necessita constantemente de o legitimar face aos súbditos, através de demonstrações públicas de veneração, na sua vertente sagrada, de aceitação, como garantia de ordem, e de contestação, sua verdadeira razão de ser e forma de se alimentar das diferenças sociais e desigualdades. As cortes não eram investidas de poder. Eram investidas de autoridade. Eram efectivamente investidas do reconhecimento público e universalmente aceite da sua legitimidade do poder da autoridade, em contrapartida com o comummente aceite conceito de autoridade do poder – quase diametralmente oposto. As suas decisões tinham um carácter de autoridade que derivava de muitos factores, mas essencialmente da sua representatividade, terceiro ponto da argumentação de A.Sousa.
A representatividade das cortes era o seu ponto forte de autoridade, de referir que as classes dominantes, o Clero e a Nobreza, tinham outras instâncias onde se reunir e decidir. O povo não as tinha. A verdade é que a representatividade do povo era essencial. Notícias há de assembleias que continuaram sem a presença do Clero, ou da Nobreza, ou de ambos. Mas nunca as cortes se realizaram sem a presença ou representação do Povo. Em parte, aí residia a sua força, a sua autoridade. Os concelhos elegiam deputados às cortes, que eram indispensáveis. Muito se tem argumentado que estes deputados não passavam de transmissores de recados ao rei por parte dos concelhos, sem poder decisório ou de julgamento e voto. Na verdade, o que nos mostram os documentos da altura, e como bem refere A.Sousa, estes deputados eram efectivamente investidos de capacidade decisória no decorrer das cortes, de idoneidade individual.
Este aspecto parece-me ser de particular importância. Um Parlamento não pode ser um local ou instituição onde há constituintes que enviam recados através dos seus eleitos. Não apenas isso. O mandato dos deputados não era apenas o de representação de uma aspiração ou pedido ao rei, mas sim um mandato integral, de juízo permanente, de capacidade de negociação individual em nome dos constituintes dos seus concelhos.
O carácter representativo dos deputados presentes às cortes foi sempre posto em causa pela historiografia tradicional, mas para A.Sousa, efectivamente a representatividade das cortes face ao país era uma realidade. Aliás, outros autores referem-na como uma realidade tangível, até particularmente às cortes castelhanas, em que os deputados não tinham as mesmas faculdades que os deputados portugueses, que formavam o tal areópago do povo. A.Sousa refere que os deputados não eram escolhidos pela quantidade, mas sim pela qualidade, segundo o princípio Maior Pars, Senior Pars, sendo que estes Melhores eram escolhidos pelas suas características, tanto pelos seus concelhos, como por outros que não se faziam representar com gente sua, mas que nestes depositavam a sua confiança – assim sendo, completa representatividade do território. Este constitui o terceiro pilar da argumentação de A.Sousa, que lhe permite afirmar que as cortes medievais portuguesas eram, de facto, o Parlamento Medieval Português.

Texto baseado no Artigo de Armindo de Sousa, O Parlamento Medieval Português, trabalho realizado no âmbito da disciplina de História de Portugal Medieval, Licenciatura em História.

2 comentários:

  1. As coisas que eu aprendo... podia não ser uma democracia, mas pelo menos o Povo tinha voz.

    Interessante o facto de escolherem não pela quantidade, mas antes pela qualidade... afinal, nem tudo era assim tão arcaico naqueles tempos!

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  2. Pronúncia, pois é. A tradição portuguesa do parlamentarismo vai muito para além do séc XIX. Uma monarquia absolutista tinha, já na altura, espaço para ouvir, debater e legislar assuntos do povo. A escolha dos melhores era uma prioridade. Não como hoje, infelizmente.

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