sexta-feira, 23 de novembro de 2012

UMA APROXIMAÇÃO AO ISLÃO

Ilustração Marco Joel Santos


 Trabalho escrito para a disciplina de História do Islamismo, Licenciatura em História, Minor em Cultura e Religião

É bem verdade, como Borau afirma, que a abertura da fé islâmica a outras fés e, por conseguinte, da sociedade a outras sociedades, não existe, uma vez que a fé islâmica é entendida pelos próprios como absoluta em si mesma. Assim sendo, o que leva a esta situação? O que faz da fé islâmica uma fé sem poder de encaixe ou sequer grande tolerância? Será o poder da religião em si, ou do seu aparelho? Ou antes o poder conferido pelas crenças e dogmas fundamentais do islamismo, bem como a sua prática?
Na verdade, e respondendo às dúvidas suscitadas, não se pode atribuir a solidez – e rigidez – da sociedade islâmica à existência de qualquer classe clerical, no mesmo sentido que entendemos o clero no Ocidente. Seria, ao fim e ao cabo, negar o próprio dogma fundamental islâmico, como veremos. Assim sendo, a segunda hipótese é de facto a mais plausível. Mas que crenças e dogma são estes? E que prática hermética é essa, que une tão profundamente a comunidade?
Comecemos pelo dogma. Qualquer religião começa por um dogma, ou o tem nas proximidades temporais e teosóficas da sua génese. A questão é fácil de entender, se atentarmos que a religião é, antes de mais, baseada na fé, e não tanto no racionalismo. Logo assim, há que ter e responder a uma questão fundamental, uma questão cuja resposta seja absoluta e definitiva, aceite como verdadeira acima de qualquer dúvida, e dessa resposta nasce a fé. Logo assim, o dogma é o cerne de qualquer religião.
No islamismo, a força do dogma não é diferente daquela que podemos verificar em outras religiões, como o cristianismo. Mas, ao contrário deste, o dogma islâmico é simples, directo e fácil de entender. Os mistérios existem, mas ficam para uma segunda análise, talvez da Leitura. Deus é uno. Não só e apenas único, mas antes único e indivisível, e não admite intermediários na sua relação com os fiéis – explicada está a pouca preponderância da escassa hierarquia islâmica. Ou seja, o dogma islâmico, face ao cristão, por exemplo, é simples de entender – e por conseguinte muito mais fácil de apreender e venerar. A mensagem penetra de forma simples mas extremamente eficaz no subconsciente dos muçulmanos. Ao passo que os cristãos, por tantas voltas que dão ao dogma da Santíssima Trindade, de um Deus que é único mas triplo, apesar de indivisível, se acham facilmente perante as maiores dúvidas, do ponto de vista da Fé.
Teosoficamente, o dogma muçulmano não passa de um decalque simplificado dos dogmas fundamentais das outras religiões do Livro – a Bíblia. O que se entende se se atentar no contexto histórico da génese islâmica. Na cidade de Meca, havia muitos séculos que existia a Caaba, local santo para centenas de fiéis e religiões diferentes, onde existia, inclusivamente, uma Virgem com o Menino ao colo. A Caaba sempre foi ligada a Abraão, pai dos árabes e dos judeus, e patriarca também dos cristãos, por analogia. Logo assim, é natural esta influência. O dogma, por conseguinte, não só une os que acreditam como, pela sua simplicidade, é compreendido profundamente, ao mesmo tempo que é tão absoluto que não abre espaço a diferenciações.
A Lei deriva, directa ou indirectamente, de duas fontes: o Alcorão e os Hadith. O Alcorão, a Leitura, foi supostamente revelado a Muhammad, vulgo ocidental Maomé, directamente por Allah, vulgo ocidental Aquele que É, ou, nas palavras de Moisés, o Senhor Deus. Foi um processo moroso compilar o Alcorão, dado o analfabetismo de Maomé – o que não quer dizer nada acerca das suas inteligência, capacidade e educação, comprovadamente elevadas. As palavras transmitidas por Deus a Maomé foram ditadas por este e escritas por terceiros, companheiros de fé. Mais uma vez, a simplificação islâmica surpreende. Ao passo que a Bíblia, que os muçulmanos consideram como o Livro, é um livro de origens mais ou menos obscuras, embora supostamente de inspiração divina, o Alcorão é emanado directamente de Deus. Ou seja, adquire um estatuto divino, imutável, inquestionável. É um guia, um manual de modus vivendi. A sua interpretação é tanto o isolamento de um versículo, que nem por se extrair do seu contexto perde a sua força de lei divina, como o contrário, a integração de diversos elementos diferentes num determinado contexto fechado. Assim, representa, quer se trate de uma ou outra forma de interpretação, um manancial completo para a conduta e a fé islâmicas. Não precisa de ser complementado, nem explicado. Apesar de o ter sido, por exemplo, por Maomé.
E são as explicações de Maomé sobre passagens do Alcorão que, em grande parte, formam os hadith – os ditos do Profeta. Juntamente com os seus comportamentos, estes formam uma Lei nunca escrita. É uma Lei essencialmente dita. E se o Alcorão é eficaz pelo seu carácter inquestionavelmente divino, os hadith têm uma função extraordinária, e que são bem reveladores da maneira de pensar islâmica. Como já referi, são uma lei oral. Como tal, o seu ensinamento é passado de geração em geração, notavelmente sem grandes corrupções – embora se admitam algumas deturpações. Isso, em si mesmo, é um factor de união extraordinário. Ou seja, a fé islâmica é reavivada, por esse mundo fora, todos os dias. E porquê esta diferença de tratamento entre o Alcorão e os Hadith? Relembremos que o Alcorão é obra de Deus, os hadith são a vida de um homem. Escolhido por Deus, mas nada sendo senão um homem – Maomé.
 Os cinco Pilares do Islão são, no fundo, mais uma forma de fortalecer a fé por comunidade. São simples actos que formam uma prática comum, facilmente reconhecível e aceite por todos. Começa na profissão de fé (shaháda): “Não há outro Deus senão Deus, e Maomé é seu enviado”. Da unicidade de Deus. Mas também da humanidade de Maomé, até porque outros profetas houve, sendo um dos mais importantes Jesus Cristo. A profissão de fé é a entrada para o seio dos crentes. Basta afirmá-la para que sejamos nele acolhidos. Parece simples, e é. Mais uma vez. Mas ao mesmo tempo marca uma predisposição muito vincada contra o politeísmo e contra qualquer outra fé. É fundamental para a coesão da fé. A oração (çalát) não é apenas a oração. Não é apenas recitar ou rezar. É santificar, é purificar pelo ritual, e é um ritual que, não obrigatoriamente, mas preferencialmente, mais uma vez, se deve processar em comunidade, sem ninguém a professar ou celebrar, mas com alguém apenas a dirigir. A santificação ou purificação estende-se à esmola (zakát). Esmola mais no sentido de obra que propriamente no de caridade. Um modo de vida, portanto, que revela os ensinamentos e une os fiéis. O jejum (çawm) é talvez a parte mais exegética do Islão. Deriva dos jejuns judaicos e cristãos, tendo Maomé jejuado e depois instituído o jejum como prática comum. Durante o mês de Ramadão, e durante o dia, jejua-se. Mas é consentida e incentivada a compensação nocturna, daí as festividades desse mês. Mais um elemento agregador – o convívio – proporcionado pela fé. Por fim, a peregrinação (hajj). Trata-se igualmente de um decalque de anteriores peregrinações, como a judaica a Jerusalém. Não só é uma viagem, como uma convergência. Uma reunião imensa de fiéis. Nada pode ser melhor para a consolidação da Fé.
Desde cedo, porém, e pouco após a morte de Maomé, em 632, que as diferentes acepções sobre o seu legado (e o poder do califado) separaram os muçulmanos em dois ramos preponderantes (não os únicos): sunitas (os que acreditavam na eleição do poder) e os xiítas (os que acreditavam na herança com base na linhagem – no caso, do genro de Maomé, Ali). Foi a politização do Islão e, ao mesmo tempo, a separação, mais ou menos sensível, entre muçulmanos árabes sunitas e muçulmanos não árabes xiítas (embora tal não seja linear). O facto de os próprios religiosos terem reservado, de alguma forma, um espaço muito particular de exegese e, por vezes, de deturpação das leis, não ajudou a que a fé islâmica fosse determinante nos jogos e disposições políticas, a não ser episodicamente. Mas, na verdade, com tantos factores de união social e religiosa, quem precisa de política para ver na fé islâmica as suas facetas principais: união, coesão, rigidez? Altivez, mesmo. E isto por uma razão simples: os seus conceitos são simples demais para poderem ser negados. São a verdade. Não precisam de complementos. A fé islâmica afirma-se absoluta pela sua simplicidade.
Bibliografia:
·         Delumeau, Jean – As Grandes Religiões do Mundo. Lisboa: Presença, 1997. 2ª Edição, ISBN 972-23-2241-9
·         Vázquez Borau, José Luís, As religiões do Livro, Lisboa, Ed. Paulus, 2008

9 comentários:

  1. Não há qq corão de mauméé, nem pode haver.
    o islam apenas activa usa e intensifica os instintos mais bárbaros e primários do animal humano com a agravante de ser muito hábil a enganar tolos parolos e ingénuos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro amigo,

      Trata-se de um trabalho académico e não de uma opinião pessoal. No entanto, há por aí alguns equívocos que convém desfazer.
      Não é corão, é Alcorão. Não é mauméé, é Muhammad ou Maomé. Não é islam, é Islão e é uma religião que me merece tanto respeito como, provavelmente, a sua. Se por tolos, parolos e ingénuos se refere aos muçulmanos, não se acanhe. Eles provavelmente nutrem o mesmo ódio por si.
      Dito isto, e como agnóstico, um abraço.

      Eliminar
    2. Tens a certeza que não é "mauméé"?? :P

      Eliminar
    3. Lamento ter que corrigi-lo. Islam tambem se usa. No Brasil usamos Islam, nao usamos Islao. O livro sagrado dos muculmanos se chama Corao (em ingles, Koran). O "Al" e apenas o artigo definido que corresponde ao nosso "o". De um admirador igualmente agnostico.

      Eliminar
    4. Não lamente, é para aprender que vivemos. No entanto, em português utilizado em Portugal, não existe a palavra Islam nem a palavra Corão. A transliteração do árabe para o português deve ser feita incluindo o artigo Al, o que constitui uma das regras de ouro dos termos portugueses derivados do árabe, que conservam sempre o artigo. É por causa dessa regra que dizemos alcáçova, Alcácer, Almodovar, Almada, etc.

      Não tendo qualquer pretensão a ser mais perfeito que os outros, é necessário atender que este texto foi apresentado para um trabalho universitário. Tive o cuidado de usar os termos académicos indicados no ensino oficial português. Evidentemente que no Brasil se podem utilizar formas diversas.

      Eliminar
    5. Obrigado pela pronta resposta. Tens razao sobre a incorporacao do artigo "al" as palavras de origem arabe. Tens razao mas nao um alqueire cheio! Talvez uns dez alguidares de razao! Tenho alguns argumentos no almoxarifado a favor da forma "Corao". Deixemos pra depois!
      Feliz Natal e bebamos algo do alambique.

      Eliminar
  2. Já não posso dar-te a mão, cheguei tarde
    Entre ruinas procuro o sentido, a razão
    Já não canto aos deuses, não rezo
    Já esqueci o sabor do desprezo, não desprezo

    Tracei um círculo de solidão
    Ausente do meu nome está o chamamento
    Jazem mudas as folhas de silêncio
    Errantes brumas ao sabor do vento

    Percorri um longo e tortuoso caminho
    Moro numa casa da memória no topo da saudade
    Prodígios de mil cores espalhei pelo caminho
    Pintei almas, mentiras, girassóis e singelas verdades




    Boa semana


    Doce beijo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bem, não sei bem se se enquadra no post, mas obrigado na mesma.

      Eliminar

LEVANTAR VOO AQUI, POR FAVOR