segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O ÊXODO




Trabalho escrito para a disciplina de História do Judaísmo, Licenciatura em História, Minor em Cultura e Religião

Escrever sobre o Êxodo não é uma tarefa que se possa fazer de forma linear ou puramente historicista. Trata-se de um acontecimento não só importante como fundamental para a religião judaica e, por arrasto lógico, para todas as chamadas religiões do Livro. Há pelo menos três dimensões pelas quais podemos analisar o Êxodo. Refiro-me às suas dimensões religiosa, política e social (ou cultural). Tentarei, neste breve texto, e com base na História dos Judeus de Paul Johnson, relevar, ainda que de leve, cada uma destas dimensões.
Em que medida o Êxodo é determinante para a religião judaica? Bem, esta questão não é difícil de responder como, aliás, Johnson bem vinca no seu trabalho. Na verdade, o Êxodo não é mais que o próprio âmago histórico-religioso de toda a moral e religião judaicas. Mas convém contextualizar. Johnson afirma que nem toda a nação israelita estaria no Egipto, o que é provável. Se é verdade, e tal parece ser o caso, que os hebreus consistiriam nas tribos habiru que regularmente rumavam ao Egipto em épocas de carência alimentar, então é verosímil que nem todas as tribos israelitas estariam no Egipto naquela altura. Assim mesmo, há que lembrar que, até então, a religião judaica existia em essência, mas não propriamente na prática.
Ou seja, desde o tempo do pacto entre Abraão e sua futura prole e Deus, que o povo hebreu pode ter tido como arquétipo religioso o monoteísmo, a devoção a um Deus que lhes prometia as terras entre o Nilo e o Eufrates em troca de devoção exclusiva e vivência concordante com tal. No entanto, é também certo que até ao aparecimento de Moisés, essa crença permanecia adormecida e algo dúbia. O facto de o Êxodo ser o cumprimento da promessa de Deus, o seu retorno à alma do povo hebreu, não deve ser menosprezado.
Contudo, há mais factores a concorrer para que o Êxodo seja o centro da fé judaica. Tal como Johnson preconiza, o cumprimento da promessa de Deus é fulcral. Contudo, que dizer do desenrolar dos acontecimentos que culminou no Êxodo? Isto é, qual a dimensão religiosa desses acontecimentos? E mais do que exactidão histórica, como retrata a tradição, nomeadamente a Torá, esses acontecimentos? É necessário lembrar que as Pragas do Egipto, independentemente de se terem dado ou não, são sinais de Deus, uma vez que Moisés as anunciou e, na prática, as despoletou, nunca através do seu próprio poder, mas antes, e pelas suas palavras, pelo poder de Deus. Quão aterrador pode parecer esse poder a quem lê a Torá, quem lê o livro do Êxodo? Certamente aterrador quanto baste, e prova cabal do poder que Deus está disposto a dar ao seu Povo Escolhido. A última praga, o aniquilamento dos primogénitos do Egipto, é particularmente terrível, mas igualmente particularmente significativa. Esta praga é de novo o cumprimento do patriarca Abraão e do seu pacto último com Deus, que lhe exigiu o sacrifício do seu filho amado, Isaac. Deus recuou na ordem, então. Mas não recuou na hora de libertar o seu povo.
A dimensão religiosa do Êxodo culmina na abertura das águas por Moisés, mais uma prova do extremo domínio de Deus sobre não só a vontade dos homens, mas antes sobre as forças da natureza, e encontra o seu prolongamento lógico no face a face de Moisés com Deus, ao qual o primeiro não escapa sem o desfiguramento próprio de quem se vê em tal situação, a de contemplar a face da glória por excelência, ao receber nas suas mãos os Dez Mandamentos, ao fim e ao cabo, a base da futura Lei, a mosaica.
 Johnson não se detém em considerar todos estes factos como inovadores. Além de inovadores, considera-os como uma evolução efectiva da mente humana, face ao imobilismo do pensamento, então o acadiano, egípcio e hitita. Algo injusto. E injusto por uma razão, principalmente quando compara o monoteísmo extremista israelita com o politeísmo egípcio. É certo, sem dúvidas, que a religião israelita envolve e evolui, requer do seu povo o sacrifício mas também o entendimento do mesmo. Estabelece como base para todo o acordo entre Deus e o seu Povo a terra, a terra prometida, a nova casa dos hebreus, dos israelitas. Contudo, não é a Lei de Mâat mais sensata que a Lei mosaica? Não prefere a primeira o racionalismo, não constitui uma lei do bom senso, do equilíbrio, ao passo que a segunda não constitui uma constante agressão de Deus sobre o seu povo, a quem nada é permitido que não esteja na Lei de Deus? Por certo, tal visão de Johnson pode ficar a dever-se a três milénios de monoteísmo e a pouca predisposição para um entendimento de uma sociedade entretanto esmorecida e desaparecida.
Culturalmente, o Êxodo inicia a era da Lei, a mosaica. Compilada idealmente pela mão do próprio Iahwe, cedida aos homens, a Lei mosaica não é uma lei religiosa tal como percebemos a lei da Igreja Católica, por exemplo. Vai muito para além disso. Qualquer ofensa a Deus é uma ofensa à sua Lei e vice-versa. Johnson foca intensamente este ponto, que me parece igualmente pertinente: não há diferença entre pecado e crime. Qualquer pecado é um crime, qualquer crime é pecado. Não há, como nos dias de hoje, lugar para o legalmente lícito mas eticamente reprovável. A Lei é absoluta e não há outro castigo que não a expiação do pecado.
Numa altura em que as sociedades antigas mantinham já códigos criminais bem definidos, como os acadianos e babilónicos, a verdade é que Lei mosaica não define apenas a posse, como os outros códigos. Nesses, até uma vida humana é uma posse, quando muito própria, nas mais das vezes, de outrem. Tirar uma vida humana é um crime, portanto, passível de reparação monetária ou física. A Lei mosaica santifica a vida através da máxima vinda de Deus de que todos os homens são igualmente feitos à Sua imagem.
Assim, Johnson põe em evidência não só o carácter civilizador da Lei, semelhante às leis osíricas ou enkianas, mas também a santidade da vida humana. Por outro lado, não entrega inteiramente a vida ao seu portador, pois ela é uma graça de Deus e, em última instância, Lhe pertence. Caso para dizer que a expiação pelo crime de morte, por exemplo, é igualmente a morte, talvez não pelo indivíduo morto, mas antes pela pertença dessa vida a Deus exclusivamente. Algo redutor, mas ilustrativo da força da Lei. Mas se a vida é um exemplo extremo, o que dizer do adultério? Ambos os adúlteros são passíveis de condenação à morte. A lei não se limita a civilizar, impõe a civilização, impõe a moral. Lembro, numa altura em que o adultério não era encarado como crime ou sequer ofensa maior pelos povos grandes que então existiam. Bem como o incesto, ou a bestialidade, ou a sodomia.
A dimensão política do Êxodo é igualmente tremenda. Trata-se da libertação de um povo de uma dominação por um Império todo-poderoso. Não é crível que os hebreus tenham sido escravizados pelos egípcios, mesmo considerando o conceito, muito fluido, de escravo, durante o Império Médio. Contudo, a Bíblia diz-nos que faraó temeu a dimensão do povo hebreu, como afirma Johnson. Tal também não é por certo inteiramente correcto, dadas as deambulações pelo deserto subsequentes ao Êxodo, que não se compaginam com uma enorme dimensão populacional, ao passo que o Egipto de (presumivelmente) Ramsés II seria uma nação imensa. Mas, seja como for, e como refere Johnson, é a primeira vez que uma revolta de oprimidos encontra a liberdade dos mesmos.
Decorrendo da lei, não é fácil a nenhum líder israelita impor domínio absoluto. A Lei impõe Deus e não homem algum, e até mesmo a Moisés não é permitido entrar em Canãa, apenas a mirando do alto do Nebo. No entanto, Israel acaba por se impor pela mão de Josué, general de Moisés, conquistador da (já então) quatro vezes milenar cidade de Jericó. É um jogo de alianças e acordos, não tanto ou apenas de lutas e refregas, que vai mais tarde constituir a Israel unificada, imposta, curiosamente, sobre os vencidos tecnologicamente muito superiores aos hebreus, mas quiçá menos arreigados nas artes da peleja ou, por outro lado, menos versados nas artes obscuras da diplomacia antiga.
Bibliografia:
·         JOHNSON, Paul – História dos Judeus. RJ: Imago, 1995. 1ª Edição, ISBN 853-120-421-6
·         TAVARES, António Augusto – Civilizações Pré-Clássicas. Lisboa: Litografia Amorim, 1995. Texto de Base, ISBN 972-674-141-6
·         JACQ, Christian – Poder e Sabedoria no Antigo Egipto. Lisboa: Pergaminho, 1998. 1ªEdição, ISBN 972-711-203-X
·         HOLTZ, Theo – A História dos Judeus. São Paulo: Via Lettera, Janeiro de 2009. 1ªEdição, ISBN 978-85-7636-082-7

5 comentários:

  1. Apenas posso agradecer-te a partilha. Aprender até morrer! :)

    ResponderEliminar
  2. Perder tempo com a questão judaica não lembra nem a Deus nem ao Hitler...

    Não percebi aonde queres chegar?
    A legitimação do sionismo sobre os restantes povos e o consequente dominio do mundo pelo chamado "povo eleito"

    Baixa Tensão

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Meu caro, o seu comentário é mesmo para levar a sério ou não leu as letras pequenas? É que não quero ser deselegante sem perceber antes qual a sua situação, e só o serei, como o foi, caso se verifique a primeira hipótese.

      Mas acho que é a segunda.

      Um abraço.

      Eliminar

LEVANTAR VOO AQUI, POR FAVOR