segunda-feira, 29 de junho de 2009

O UMBIGO DO MUNDO


É assustadora a frequência com que nos preocupamos com coisas que não deveriam fazer parte da nossa selecção de problemas. Revela que nem aqueles que vivem com preocupações, mas vivem, desconhecem os problemas de sobrevivência deste planeta. Ou não querem saber. Ou se vitimizam de forma a desculpar inaptidões. Gosto de ressaltar curiosidades, gosto de apontar pequenas coisas que acontecem no meu país, tão típicas dos portugueses, como os casos do BPN ou do BCP, ou da Media Capital, ou das eleições. Não passam de curiosidades que, de facto, de tão pequenas que são, disso mesmo não podem passar.

A verdade é que existem problemas neste mundo bem maiores. Não porque se roubou mais, ou porque se desviaram fundos de um qualquer programa europeu para apoio às empresas, ou coesão ou preservação do burro mirandês. Mas sim porque apelam para o que de mais básico temos como direito: à vida. São questões de sobrevivência. Nada mais.

A fotografia em cima foi tirada nas margens do Mar Morto. A visibilidade neste local é quase sempre assim: reduzida. Isto devido à evaporação das águas e ao calor, aliados à altíssima pressão e aos 15% a mais de oxigénio, que conferem ao ar um tom azulado espesso. Se olharem com atenção, ao centro, a cerca de 20 Kms do local onde foi tirada a foto, encontra-se um objecto arredondado. Muitas vezes, reflecte a luz do sol em todas as direcções, com um brilho refulgente. Trata-se do umbigo do Mundo.

Voltei a esta região para encontrar a situação que já todos ouviram falar. Já havia contactado com ela em anteriores visitas. Sempre foi má, sempre foi quezilenta e beligerante. Agora, passados alguns anos, a situação agravou-se, se tal era possível. Mas é. É sempre possível. É incrível como pode ser possível, mas é. Vi as lágrimas nos olhos daqueles que contemplam a luz reflectida na cúpula, vi a resignação nas faces daqueles que moram longe da sua terra. Dantes, via a esperança, via a convicção da luta, via a inexplicável força de quem não a tem. Desta vez só vi a resignação, o medo, a aceitação da desgraça ou da morte.

Talvez um dia volte a esta região e entre na cidade, não capital de algum estado fictício, mas como património do Mundo, rodeada por um país onde dois povos irmãos possam viver em paz e em cooperação. Um país que já não terá reservas de água, esgotada este ano, onde se calhar poderá não haver agricultura intensiva, responsável por isso. Talvez já nem haja arame farpado ou muros de betão. Talvez seja um país pobre. Mas rico, pois possui o mais rico dos tesouros de toda a Terra: o seu umbigo. Isso só será possível quando os pais renegarem os filhos, quando os milhões regressarem a casa, a sua casa. Só acontecerá quando alguém rasgar da sua bandeira duas listas azuis. Porque estas listas azuis são os símbolos da Humanidade, não devem pertencer a povo algum, mas a todos. Só acontecerá quando os filhos renegados pelos pais se aperceberem que são irmãos, e que a história que os separou não precisa de repetir-se pela terceira vez.

17 comentários:

  1. O umbigo é a cicatriz deixada pelo corte da relação de dependência física em relação à mãe, talvez por isso esta zona seja mais ferida, tem em si uma cicatriz profunda...

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  2. Não conhecia, nem conheço, a região. É um belíssimo texto informativo, este que escreveu. não lhe falta a mensagem do amor e da solidariedade entre povos, o que o enriquece, ainda mais! Talvez nos ponha a pensar na sorte que tivémos em ter nascido do outro lado do "umbigo"...
    Beijo de lusibero

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  3. Espero que estejas a fruir a viagem, no caso de ainda estares a viajar.

    Entretanto, relativamente ao post, cito a Lusibero: "Não conhecia, nem conheço, a região. É um belíssimo texto informativo".

    Grande abraço

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  4. Por mais que olhe com atenção, não consigo ver o objecto arredondado no centro da foto.

    Sem dúvida que é uma situação triste e preocupante, que nos faz sentir impotentes e talvez mesquinhos quando nos queixamos das nossas "coisinhas".

    É claro que é preocupante e mesmo revoltante. Mas acontece, Cirrus, que cada um de nós preocupa-se com aquilo que o afecta mais, porque é a nossa vida imediata que está em jogo.

    E olha que há muitos Portugueses para quem os problemas começam, ou já são mesmo, uma questão de sobrevivência...

    Se houvesse boa vontade talvez estas questões fossem ultrapassáveis, mas quando as posições se extremam, se prolongam no tempo e há outros valores que não os humanitários a falarem mais alto, o resultado é sempre o sofrimento de alguém para além daquilo que já não se julga possível...

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  5. Em primeiro lugar, gostaria de saber se a viagem correu bem?

    Em segundo, trouxeste o "cavalo" que pedi?!

    Em terceiro, o convite para ir às Varas ainda está de pé? Tenho confissões a fazer...

    Fora isto, o texto está muito bom, mas queria que falasses também no massacre no Irão, o esquecimento do povo curdo e o desastre humanitário no Sudão.

    Abraço, e fico à espera do martini...

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  6. Menina Ção

    A cicatriz é muito profunda e recente. Tem apenas 60 anos. E não fechará tão cedo.

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  7. Maria

    Sorte é pouco para apelidarmos o facto de vivermos neste país. É uma bênção!

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  8. Daniel

    Quem dera ainda lá estivesse, mas já cá estou há uns dias e amanhã até é dia de trabalho...

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  9. Pronúncia

    Deves ver o recorte mais alto da montanha, certo? Há uma pequena elevação a meio, de forma redonda. Um pouco à direita e abaixo, dá para distinguir a tal forma arredondada, que é a Cúpula.

    Quanto ao resto, Pronúncia, só vendo!! Comparar a situação de Portugal à da Palestina é o mesmo que comparares o Céu ao Inferno.

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  10. Dylan

    Correu tudo bem, obrigado. É um passeio pungente com um significado que pensei não teria o impacto que teve em mim.

    Quanto ao massacre no Irão, será que te referes às últimas manifestações?
    Não tenho grande informação sobre o Sudão, nomeadamente sobre o Darfur, apenas sei os rudimentos e por isso não escrevo sobre isso. Seria tentar adivinhar o que se passa.

    Já os curdos são um povo que, para além de esquecido, como dizes, é uma vítima, como foram os árabes, da partilha colonial desastrosa levada a cabo pelos franceses e ingleses após a I Guerra Mundial. São um dos povos mais acolhidos como refugiados na Jordânia, a sua situação é muito similar à dos Palestinianos, mas com uma diferença fundamental: não há Jerusalém no caminho. Daí o esquecimento, embora os EUA os considerem como terroristas, nomeadamente os afectos ao PKK, que são quase todos os curdos turcos e iraquianos.
    Aliás, dos seis milhões de habitantes da Jordânia, apenas dois são "jordanos" (coisa que não existe, obviamente). Há um milhão de palestinianos, um milhão e meio de iraquianos e um milhão de egípcios, sendo os outros outras etnias árabes ou semitas, como os curdos ou judeus.

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  11. Cirrus, longe de mim querer comparar o incomparável.
    Apenas referi que a maior parte das vezes não nos apercebemos de situações dramáticas por estarmos demasiado ocupados a olhar para o nosso próprio umbigo (por egoísmo) ou porque há vidas de Portugueses que já são uma luta pela a sobrevivência, enquanto indivíduos... mas não como País (por enquanto).

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  12. Cirrus

    ainda bem que tudo correu bem. Penso qeu seria um dever do Mundo fazer com que estes povos se entendessem. Não acho é que pelo facto de haver quem sofra nós possamos valorizar o que é bom e esquecer as aldrabices e injustiças que o resto do Mundo é vitima.

    abraço

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  13. Sim, Cirrus,

    Mas e o copo, em Leça?

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  14. Pronúncia

    Não podemos negar evidências, pelo que também não vou negar que estou preocupado com muitas situações de compatriotas. Mas lembra-te que há sempre maneira (ou vai havendo) de, pelo menos, não os deixar morrer de fome. Os outros desgraçados não vêm entrar na sua própria terra nada que se coma, pois, como sabes, Israel não deixa que entre nada. Isso é que é triste. Pelos vistos, morrem mais palestinianos a tentar inserir alimentos e medicamentos em Gazah e certas partes da Cis-Jordânia do que nos famosos "raids"...

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  15. Forte

    Atenta nos mapas que coloquei no canto do blog. Achas que o entendimento é possível?

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  16. Dylan

    No comments - quando formos campeões, festejamos juntos. Oxalá ainda consigamos pegar nos copos...
    Nós dois juntos dava muito químico junto...

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  17. Cirrus,

    Não percebi muito bem a resposta, mas paciência, fica para outra vez...

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